Além dos brasileiros, o capitão francês Olivier Thomas, que também estava a bordo da embarcação Rich Harvest, alega ter sido incriminado injustamente. O advogado Paulo Oliveira, que representa Daniel Guerra e Rodrigo Dantas pelo escritório Eliana Octaviano, afirma que a decisão não garante que os três possam deixar a unidade prisional de imediato. "A desembargadora não fez reforma nisso, não analisou a questão da prisão [preventiva]. Não posso ser categórico e dizer que eles vão ser soltos, porque o processo tem muitas violações", disse, por telefone.
Segundo o advogado de Daniel Guerra e de Olivier Thomas deveriam ser soltos na terça-feira, quando o prazo máximo da prisão preventiva, de 14 meses, será atingido. Os dois foram julgados em 26 de agosto de 2017, três dias após serem detidos e quatro dias depois de a embarcação atracar na marina.
Já Rodrigo e Daniel Dantas foram presos em dezembro do mesmo ano. Quanto ao trâmite que ocorrerá a partir da anulação da primeira sentença, ele esclareceu que o processo volta às mãos do juiz de 1º grau, que analisará as provas que não puderam ser apresentadas pelos acusados. "A defesa pediu a oitiva (de testemunhas), já que, na lei de Cabo Verde, no código processual, testemunha é (considerada] prova. O juiz indeferiu e prosseguiu, disse só que não ia ouvir. A defesa fez uma reclamação, que foi para o tribunal e respondeu no dia 28 de novembro. A primeira coisa que saiu anulada foi um despacho, que é toda decisão tomada no âmbito do processo. A desembargadora anulou o despacho, disse que se devia ouvir as testemunhas. Aí, passamos por julgamento do recurso no tribunal de 2º grau. Ocorreu no dia 15 e a resposta veio no dia 18, porque lá é tudo físico, nada é online. Nisso, ela anulou o julgamento, por completo. Disse que o julgamento não respeitou o direito de defesa, não analisou outras provas", explicou.
Na avaliação do advogado, entre os aspectos de maior gravidade está o cárcere dos quatro acusados. "Eles não estão presos cumprindo pena. Continuam aguardando, presos. É ainda mais lesivo aos direitos humanos deles", observou. Oliveira acrescentou que a defesa, feita por ele em conjunto com advogados de Cabo Verde, buscou aproveitar um inquérito elaborado pela Polícia Federal (PF), mas que a confiabilidade e autenticidade do documento foi questionada pela Justiça do país africano, que o descartou.
"Ele (o inquérito) ainda não está fechado, está aberto. O delegado (,que assina o relatório da corporação) colocou que os meninos eram inocentes, que não havia envolvimento. Existe processo penal em curso, mas o inquérito ainda está aberto." "É interessante ressaltar que não espero que alguém acredite na inocência dos meus clientes, porque isso é algo subjetivo. O ponto é que conseguimos provar, de forma objetiva, que o processo correu em desacordo com a lei. Essa negação da oitiva é apenas um desses vários pontos de violação", finalizou Oliveira.
Visitas à unidade
O produtor de vídeos Alex Coelho Lima, tio de Rodrigo, disse à Agência Brasil que as famílias dos três brasileiros se mudaram para a ilha para acompanhar de perto o caso. "Estão se revezando, todos indo visitar, dar notícias. Eles estão arrasados. Criaram muita expectativa, porque, quando o presidente Michel Temer esteve lá (em julho de 2017), acharam que aquilo ia se resolver e os frustrou".
Alex Lima ressaltou que muitas pessoas, inclusive o professor que ministrou aulas de náutica para os três brasileiros, dispuseram-se a testemunhar a favor do grupo. "Essas pessoas, velejadores que conviveram com eles no curso, foram para lá [servir] de testemunha, mas não conseguiram ser ouvidas". Para ele, o mais importante é que o inquérito da PF seja considerado, porque detalha a trajetória da embarcação e contribui para a investigação, que, na sua avaliação, não levou em conta a responsabilidade dos donos do barco.
"A peça fundamental é o inquérito, que recompõe toda a história do barco, desde 2006, quando chega ao Brasil, com três ingleses, entre Bahia e Espírito Santo, e o dono aparece contratando os velejadores para ir a Portugal", relatou. "Toda vez que o barco para, há uma anotação da Marinha. Então, a PF levantou tudo isso, fez todo o cronograma de quando ele contata a empresa que intermedeia - a gente tem e-mail, telefonemas -, quando recruta, vai a Salvador, Natal e faz a travessia. Esse crime ocorreu no Brasil. O tráfico de drogas aconteceu no Brasil. Cabo Verde foi simplesmente onde pararam para consertar [o barco], e o país não teve condições de investigar o histórico disso", acrescentou.
Segundo Alex Lima, as condições na prisão são outro fator que complica o quadro. Conforme ilustração encaminhada à reportagem, as celas, de cerca de 6 metros quadrados, são equipadas com duas camas e um armário, mas não têm vaso sanitário. "Eles usam um balde para fazer as necessidades. As famílias podem fazer visitas aos domingos, a alimentação é precária. Duas vezes por semana, os pais podem levar alimentos, que são revirados na revista. Meu sobrinho teve problemas odontológicos e teve que esperar três semanas para poder ter liberação. O Daniel Guerra já teve câncer por 10 anos É uma pessoa que precisa fazer exames periódicos e na ilha não tem condição", desabafou o produtor de vídeo.
"A gente está vendo isso como uma atrocidade, uma situação calamitosa. A gente clama para que olhem para o caso. Eles almejavam ser profissionais. É um sonho destruído." Para reforçar o apelo por justiça, familiares dos três velejadores brasileiros criaram uma campanha chamada A Onda. A mobilização ganhou um perfil no Instagram e no Facebook, nos quais postam conteúdos relacionados aos desdobramentos do caso. A Agência Brasil procurou obter uma declaração do Ministério das Relações Exteriores - inclusive, por meio da embaixada do Brasil em Cabo Verde - sobre o caso, mas não teve retorno até a publicação desta matéria.
Agência Brasil