person Entrar

Capa

Notíciasarrow_rightarrow_drop_down

Esportesarrow_rightarrow_drop_down

Arte & Agendaarrow_rightarrow_drop_down

Blogsarrow_rightarrow_drop_down

Jornal com Tecnologia

Viva Bemarrow_rightarrow_drop_down

Verão

Especial

Chile deve ter 2020 marcado por incerteza na economia, após onda de protestos

Desde meados de outubro, o Chile vive um quadro de grandes turbulências sociais

Protestos começaram por um aumento no preço do metrô de Santiago | Foto: Martin Bernetti / AFP / CP

Apontado por muitos como um modelo de desenvolvimento na América Latina, o Chile vive desde meados de outubro um quadro de grandes turbulências sociais. As manifestações detonadas contra um aumento no preço do metrô de Santiago se espraiaram por outras questões, expuseram fissuras importantes da sociedade chilena e podem levar em 2020 a mudanças da Constituição que tem regido o país desde a redemocratização, após o fim da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990). No plano econômico, os protestos tiveram forte impacto na atividade, também por causa da incerteza sobre o que pode ocorrer à frente.

"Em certo sentido o Chile vive a tempestade perfeita: grande incerteza interna produto de toda esta instabilidade política e social que tem repercutido e continuará a repercutir no investimento; e a isso se soma a incerteza externa, produto da 'guerra comercial' entre EUA e China, que não deve terminar no curto prazo", afirmou em entrevista ao Broadcast o professor Rodrigo Fuentes, titular do Instituto de Economia da Pontifícia Universidade Católica do Chile. Ainda antes da "fase 1" do acordo comercial entre as potências ser anunciada, Fuentes já previa uma trégua, com o presidente americano, Donald Trump, mais interessado em sua reeleição. "No plano externo, o Chile tem alguns elementos que lhe permitem navegar nessas águas turbulentas, que são a grande quantidade de acordos comerciais firmados com muitas economias no mundo, um sistema cambial flexível para acomodar os choques e até agora uma macroeconomia estável", comenta Fuentes, ponderando em seguida que este último elemento pode ser afetado pelos protestos, em parte violentos.

"O caos que temos vivido nas últimas semanas tem gerado um efeito muito grande no crescimento, mais além do que esperavam os analistas do mercado", diz Fuentes. O professor destaca a piora do Índice Mensal de Atividade Econômica (Imacec), que em outubro caiu 3,5%, na comparação anual. "Caso siga esta instabilidade, embora com menor intensidade, em 2020 é muito provável que o crescimento econômico no próximo ano não supere 1%."

Projeção ainda mais modesta foi realizada em outra entrevista por Diego Mora, consultor sênior de investimentos da XTB em Santiago. Para ele, o cenário de curto prazo é "incerto demais para se fazer uma previsão mais detalhada". De qualquer modo, o economista prevê corte de juros pelo banco central local para apoiar a economia. Segundo ele, no melhor dos mundos, pode haver um crescimento de 2% em 2020. "Agora, se o Chile seguir com problemas sociais, zero de crescimento seria o máximo que poderíamos alcançar", diz Mora. Ou seja, evitar uma recessão seria o melhor quadro possível, a depender do quadro político e social.

Mora lembra que o presidente Sebastián Piñera havia projetado crescimento de 3% em 2019, mas diz que "muito provavelmente terminaremos com 1,5%". Caso a perda de ritmo se mantenha, o consultor prevê recessão técnica em março e que o desemprego possa superar os 10%. No trimestre até outubro, a taxa de desemprego nacional estava em 7,0%, segundo a leitura oficial do Instituto Nacional de Estatísticas (INE). Mora destaca o fato de que apenas com seis semanas de marchas e mobilizações já havia uma queda de 20% nas vendas varejistas em outubro e novembro, na comparação com igual período do ano passado.

Constituinte à vista?

A reação inicial de Piñera aos protestos foi minimizá-los e tentar reforçar a segurança, inclusive lançando mão de Exército nas ruas e de toque de recolher. Diante do tamanho da crise e da perda de sua popularidade, o presidente recuou no aumento do metrô, mas se viu em meio a uma série de outras demandas, como uma reforma previdenciária e melhoras na educação e na saúde, com maior presença do Estado. Aposentados com pensões que não conseguem cobrir seus gastos básicos, após décadas de contribuição para o sistema privatizado local, e estudantes com dívidas impagáveis surgiram como personagens da crise. Pressionado, o governo concordou com um plebiscito no próximo ano.

O plebiscito está marcado para 26 de abril de 2020, com duas questões: se os eleitores desejam uma nova Constituição; e, em caso positivo, qual órgão deve redigi-la, uma Comissão Mista Constitucional (formada por 50% dos membros do atual Congresso e por 50% de constituintes eleitos diretamente) ou uma Convenção Constituinte (com 100% dos constituintes eleitos para esse fim). Caso se confirme o desejo por uma nova Constituição, os responsáveis por ela serão escolhidos em 25 de outubro de 2020.

"Eu acredito que na nova Constituição haverá temas cruciais a ser tratados, como a participação do Estado na atividade econômica", prevê Fuentes. O professor aponta que a Carta atual é "bastante geral" e permite a participação pública e privada em muitas áreas, como educação, saúde, previdência, etc. "Acredito que as pessoas desejam maior intervenção [do Estado]", diz. Outro ponto é que a atual Constituição dá mais poder ao presidente para propor leis ao Congresso. Fuentes diz que isso é particularmente importante no Orçamento, no qual o Legislativo tem pouco espaço para mudar a destinação das verbas e dispõe de 60 dias para aprovar o documento para o ano seguinte. "Se não o aprova, segue vigente o orçamento do ano anterior ajustado pelo índice de preços ao consumidor", explica.

Cobre, câmbio e contas 

Mora lembra que o Chile é um país que exporta muita matéria-prima, "mas também depende bastante do consumo interno". O país sul-americano é o maior exportador global de cobre, porém o metal tem sofrido com as incertezas no comércio global, sobretudo entre EUA e China. Mesmo com um acordo, analistas continuam a ver incertezas nessa frente para o próximo ano. "Donald Trump tem uma postura de mercado muito infantil, poderíamos dizer, fala algo e depois de cinco dias recua", comenta.

Por outro lado, o fato de que o país possui muitos acordos comerciais é uma fortaleza para lidar com esse quadro, na opinião dos analistas ouvidos. Fuentes afirma que a prioridade na abertura de mercados deve se manter, "mas claramente as prioridades mudaram e as energias estarão colocadas em pacificar a situação interna".

Com as turbulências, o peso atingiu mínimas históricas em relação ao dólar e a moeda americana rompeu a barreira dos 800 pesos. O Banco Central do Chile anunciou intervenções para conter o movimento, com sucesso parcial. Mora prevê que o dólar siga acima de 750 pesos nos próximos dois meses. Para o UBS, as intervenções do BC podem apoiar o peso no curto prazo, mas a moeda deve voltar a enfraquecer a partir de março, antes do plebiscito de abril.

Com os protestos, a Capital Economics aposta que a política fiscal do Chile será "permanentemente mais relaxada". A consultoria acredita, porém, que demorará para que a relação entre a dívida e o PIB possa vir a preocupar. Atualmente, essa relação está em 30% e a Capital avalia que chegue a 32% em 2020. "Uma nova Constituição não necessariamente significaria muito para a posição fiscal", diz ela em relatório, mas complementa: "Diante da demanda disseminada por maiores gastos sociais, esperamos que a política fiscal se relaxará independentemente de mudança na Constituição ou na regra fiscal". Ainda assim, a Capital acredita que a relação entre dívida e PIB do Chile seguirá abaixo de 50% até 2025.

AE