Em recente encontro com jornalistas em Berlim, Ute disse que foi pela filha de uma amiga de sua mãe que ela descobriu esse segredo. "Todo mundo levou a verdade para o túmulo. Eu não consigo", admitiu, chorando. Essa revelação significou o início de anos de busca de seu verdadeiro pai. Calcula-se que, na Alemanha, existam entre 200 mil e 250 mil pessoas nascidas de um pai soldado americano, britânico, francês ou soviético. Na Áustria, este seria o caso de pelo menos 20 mil pessoas.
Os vencedores da Segunda Guerra Mundial dividiram a ocupação do território do antigo Terceiro Reich: no oeste, a trizona (Estados Unidos, Grã-Bretanha e França), que se transformou na República Federal da Alemanha (RFA), a Alemanha Ocidental, em 1949; no leste, o lado soviético se transformou, depois, na República Democrática Alemã (RDA).
À ausência paterna, costuma-se acrescentar "uma marginalização e uma discriminação" por parte das mães, que pertenciam a uma geração "muito marcada psicologicamente", de acordo com um estudo iniciado em março de 2013 pelas universidades alemãs de Leipzig e de Greifswald, realizado com base no testemunho de 146 "Besatzungskinder" ("filhos da ocupação"). "Minha mãe era a "puta" de Tommy e me chamavam de macaco", conta um participante. "Tommy" é o apelido dado aos soldados britânicos na Alemanha.
Em muitos casos, o pai não sabia da existência do filho. É o que relata Margot Jung, nascida em 1954 em Koblenz, então ocupada pelos franceses, em depoimento no livro de Ute Baur-Timmerbrink. Quando tinha sete anos, Margot ouviu a mãe e a avó falarem sobre "o francês" e começou a suspeitar. Depois de anos de busca, sua mãe um dia lhe deu o endereço do seu pai biológico, Jean, na França. Embora Jean estivesse morto, Margot teve a oportunidade de conhecer uma meia-irmã, com quem hoje mantém uma boa relação. "Não sinto mais vergonha. Posso falar abertamente do meu pai", desabafa Margot no livro.
Ute trabalha para a associação "GI Trace", que ajuda as pessoas a encontrarem o pai biológico, caso ele seja um soldado americano. A instituição já conseguiu reunir cerca de 200 famílias. A autora do livro alerta que a investigação nem sempre é bem-sucedida. "Não podemos prometer nada", ressalta, explicando que alguns, às vezes os pais, às vezes suas famílias não querem remexer o passado.
AFP