Pesce aluga o imóvel onde fica o salão e sua casa - e as duas locações têm correções semestrais. "A inflação traz a angústia e o medo", resume. Os salários perdem a corrida contra uma inflação turbinada pelos aumentos nas tarifas de serviços públicos e por uma constante desvalorização da moeda diante do dólar, que impacta os preços. Os pequenos comerciantes são os primeiros a sentir o golpe das contas a pagar, as cargas trabalhistas e um panorama econômico que desperta desconfiança.
Luis Miranda tem uma pequena padaria em Villa Urquiza, no extremo norte de Buenos Aires, onde emprega oito pessoas. Em março, deu aumentos de 15% nos salários, em linha com a meta de inflação anual daquele momento. Mas, no fim de abril, teve início uma corrida cambial que levou a uma depreciação de quase 35% da moeda somente neste ano e levou o governo a pedir um empréstimo ao Fundo Monetário Internacional (FMI).
Depois disso, o Banco Central projetou a inflação de 2018 em 27%, e o governo abandonou sua meta anterior. "Achava que a economia ia seguir avançando como tinha sido nos dois anos de (governo do presidente Mauricio) Macri, mas em março começou a ir mal, com preços altos, e não para", lamenta Miranda. "Neste momento, a economia é muito instável. O preço da farinha aumentou 300%, ou 400%", queixa-se.
Diferentemente de Pesce, Miranda garante que não perdeu clientes. "Mas o consumo caiu. Ninguém compra um quilo de pão. Os clientes gastam o mesmo, mas levam menos", relatou. Para compensar a queda de receita, a padaria oferece agora pratos feitos - vendidos principalmente para pedreiros e mecânicos que trabalham nas redondezas. De acordo com a Confederação Argentina da Média Empresa, as vendas a varejo caíram 2,5% nos primeiros cinco meses de 2018.
Promessas descumpridas
"Foi quebrada, em um período curto, uma promessa de que ia haver uma recuperação econômica", diz o sociólogo Ricardo Rouvier para explicar a irritação dos argentinos. "As pesquisas mostram uma queda na imagem do governo. A maioria da população não vê no horizonte uma certeza de que sua situação vá melhorar", acrescenta Rouvier. A Argentina sofreu com níveis elevados de inflação durante décadas. Atualmente, o país é uma exceção na região: é a única economia da região com um índice de preços ao consumidor de dois dígitos.
O desemprego chega a 9%, e a taxa de juros foi elevada a 40% em uma tentativa de frear a evasão de divisas. Em junho, o FMI concedeu um crédito de 50 bilhões de dólares em três anos, encarado com receio pelos argentinos, que lembram com amargura de acordos anteriores com o organismo multilateral. A firma Ecolatina destaca que, para superar a situação, será "central que o novo influxo de dólares que o acordo com o FMI vai gerar se oriente para estimular a produção, e não para asfixiá-la".
AFP