person Entrar

Capa

Notíciasarrow_rightarrow_drop_down

Esportesarrow_rightarrow_drop_down

Arte & Agendaarrow_rightarrow_drop_down

Blogsarrow_rightarrow_drop_down

Jornal com Tecnologia

Viva Bemarrow_rightarrow_drop_down

Verão

Especial

Contêineres do porto Santos são encontrados com droga do PCC

Disputa pelo local movimenta mais de R$ 1 bilhão com tráfico para Europa

Descoberta ajuda a compreender gerra interna na facção | Foto: R7 / CP
No início da madrugada do primeiro dia de setembro de 2016, o Grande Buenos Aires, um navio gigante com capacidade de transportar pouco mais de 26 mil toneladas, zarpou do porto de Santos em direção à Bélgica. A data era sensível: na véspera, a Receita Federal havia feito uma das maiores apreensões de cocaína da história do Brasil: 1,5 tonelada da droga foram encontrados em três contêineres. A apreensão não foi o bastante para cessar o movimento no porto.

No começo da noite do dia 30 de agosto, a Polícia Federal interceptou uma ligação de Renan Amorim Peixoto, conhecido como Russo. Ele conversava com seu chefe, Marco Alberto Santana Randi, ambos ligados ao PCC (Primeiro Comando da Capital). A conversa era, na verdade, uma reclamação desesperada. “O bagulhão já tá recheado aqui”, disse Russo. Ele avisava Randi que os contêineres indicados para o embarque de pouco mais de uma tonelada de cocaína para a Bélgica já estavam cheios de droga — mas de outro traficante, também ligado ao PCC. A defesa de Renan Amorim Peixoto foi procurada, mas não se manifestou.

O porto de Santos se transformou, nos últimos anos, na principal fonte de receita do crime organizado no Brasil. Mensalmente, toneladas de cocaína são embarcadas rumo à Europa. No último domingo, a Polícia Federal apreendeu 1,3 tonelada de cocaína em um navio no porto de Santos. Segundo a PF, a droga foi içada na embarcação enquanto ela estava na barra de Santos. Cinco dias antes, mais de 550 kg de cocaína foram interceptados no mesmo porto, com destino à Antuérpia, na Bélgica.

Desde que o PCC assumiu o comando da logística do embarque, o negócio cresceu de forma veloz e transformou a facção em um dos grandes players mundiais no fornecimento de drogas para o continente europeu. Segundo a PF, mais de 13,5 toneladas de drogas já foram apreendidas em 2018. Em todo o ano de 2017, a apreensão de drogas no porto foi de 11,5 toneladas. Dados da Operação Brabo, da Polícia Federal, obtidos com exclusividade pelo R7, revelam números astronômicos por trás das transações com o crime organizado internacional.

Nas contas da PF, para cada quilo de cocaína que chega aos portos europeus, a facção e outros traficantes lucram cerca de 8.000 euros, ou mais de R$ 26 mil na cotação da época da operação. A dimensão dos valores envolvidos pode ser feita pela quantidade de droga apreendida durante os dois anos que durou a operação, entre 2016 e 2017: 8 toneladas de cocaína. Segundo a conta da PF, seriam 64 milhões de euros, ou R$ 256 milhões, que deixaram de entrar no caixa do crime organizado.

Porém, a estimativa das autoridades alfandegárias da Europa é de que para cada contêiner apreendido em solo europeu, outros 10 controlados por traficantes conseguem passar. Usando a matemática da Polícia Federal, isso significa que, apenas com exportação de cocaína para a Europa, o lucro anual do crime organizado chegaria a R$ 1,3 bilhão por ano. Nos dias que antecederam a viagem do Grande Buenos Aires, os policiais acompanharam a movimentação frenética dos traficantes para embarcar a cocaína no cargueiro. Por conta do tamanho do navio, ele virou motivo de disputa entre os traficantes.

Após a apreensão da Polícia Federal, um recado foi passado: “Quem mandou, mandou. Quem não mandou, só no próximo”, lamentou um traficante em conversa interceptada. Russo descobriu isso do pior jeito. Ao constatar que o contêiner estava lotado, cogitou retirar a cocaína dos concorrentes e embarcar a de seu cliente. Randi, seu chefe, não autorizou. Horas depois, Russo usou seu conhecimento local para decidir o que fazer para não perder a cocaína. Ex-funcionário do porto de Santos, ele mantinha uma vasta rede de contatos que trabalhavam em terminais e na segurança de navios e contêineres.

E foi assim que ele descobriu que o contêiner “recheadão” foi flagrado pela equipe do escâner, que pediu uma vistoria da Receita Federal. A informação adiou qualquer outro plano alternativo para o embarque da droga. A cocaína de Russo, que já havia sido transportada às pressas para os arredores do Porto, foi parar em um esconderijo no Guarujá. Randi, após toda a operação, ainda comentou com Russo que o dono da cocaína embarcada teria dado a autorização para que eles trocassem a droga. “Ele falou: ‘se ver que vai dar problema, põe no carro, traz que eu vou atrás do pessoal. Um conhece o outro”, disse, em ligação interceptada pela Polícia Federal.

Segundo a PF, o dono da droga era Ronaldo Bernardo, conhecido como Roni. Ele seria a conexão do PCC nesta célula, e estaria subordinado a Vilmar Santana de Souza, conhecido como Mela. Uma semana após a tentativa frustrada de Randi e Russo, eles acertaram um novo embarque e conseguiram colocar mais de 1 tonelada de cocaína no navio Grande Brasile, que também seguiria para a Antuérpia. No dia 9 de setembro de 2016, a droga foi apreendida. Estava em três contêineres em meio à carga de vidro e sucatas de metal, alumínio e inox.

A defesa de Ronaldo Bernardo informou que já entrou com recurso sobre a investigação da Polícia Federal brasileira, pois alega que o relatório que embasou a operação foi realizado pelo DEA, que não tem soberania no território nacional. Além disso, sustenta que “supostos nomes e alcunhas” atribuídos ao cliente “nunca foram atrelados a ele” e que Ronaldo “em hipótese alguma esteve envolvido com o fato delituoso”. A lucratividade no porto de Santos é tão alta que bandidos que atuam em outras áreas, como roubo a banco e cargas, também passaram a investir no negócio.

Policiais detectaram que os grandes carregamentos de cocaína despachados são provenientes de vários donos que formam um consórcio para abastecer o mercado externo. Esses consórcios foram criados para minimizar o risco em caso de apreensão, e também para aumentar os lucros individuais dos líderes, donos de grande parte da droga embarcada. Diferente do porto, toda a venda no varejo, nas “biqueiras” de diversas cidades, vão para o caixa da facção. As operações no porto eram lucrativas e chamavam cada vez mais a atenção.

Um ano após o caso do contêiner “recheadão”, em 18 de agosto de 2017, a equipe de Randi tentava embarcar uma nova leva de cocaína em um navio. A Polícia Federal agiu, e cinco suspeitos, incluindo Randi, foram baleados e mortos. Quinze dias depois, Russo foi preso na Operação Brabo. A ofensiva da Polícia Federal prenderia mais de 100 pessoas de várias células envolvidas no embarque de cocaína para a Europa.

Neste ano, o Grande Buenos Aires foi retido na África por causa de uma carga de cocaína embarcada em Santos. Em março, a Interpol localizou e apreendeu, no porto de Luanda, em Angola, meia tonelada da droga em contêineres com sacas de açúcar. Dias antes, a Polícia Federal do Marrocos já havia apreendido mais de meia tonelada de cocaína que estavam em contêineres do mesmo navio. Segundo a polícia, a carga teria sido desembarcada erroneamente no porto de Casablanca.

Com tanto dinheiro entrando no caixa, as quadrilhas adquiriram uma robusta musculatura para se armar e se capitalizar em dinheiro, imóveis, bens de luxo e negócios da economia formal. A lavagem de tanto dinheiro vem usando a mesma estrutura e mecanismos dos doleiros que trabalham para políticos corruptos e sonegadores de impostos.

A expressiva capitalização também trouxe um problema para o PCC: pela primeira vez, os líderes observaram um princípio de guerra interna, com a morte de dois líderes ligados diretamente às operações do porto de Santos. O princípio de rebelião foi abafado após diversas mortes e auditorias internas. As mortes teriam acontecido pela comprovação de desvios milionários feitos pelos mortos que ostentavam uma vida de luxo. Apesar de abafada, no entanto, a disputa segue até hoje.

Tony Chastinet e Marcos Guedes / RecordTV