A pintura necessária de André Ricardo

A pintura necessária de André Ricardo

Artista paulista expõe trabalho com presença da matriz popular e afro-brasileira na Fundação Iberê

Leticia Pasuch *

A pintura de André Ricardo é baseada na têmpera ovo, técnica que remete ao processo artesanal e pré-industrial

publicidade

A partir deste sábado, dia 4, o segundo andar da Fundação Iberê Camargo (av. Padre Cacique, 2000) contará com a exposição de André Ricardo abrindo a agenda do ano. “Da pintura necessária” reúne 56 obras do pintor paulista, trazidas pela primeira vez à Porto Alegre.

Formado em Artes Visuais pela Escola de Comunicações e Artes da USP, com 37 anos, André tem firmado seu nome na arte contemporânea brasileira. Recentemente, retornou de uma residência artística na Residency Unlimited, no Brooklyn, em Nova York. É representado pela Galeria Estação, consagrada entre os acervos mais importantes do país por promover a produção de arte brasileira não erudita.

Curada por Claudinei Roberto da Silva, a exposição busca dialogar entre vertentes concretas da arte brasileira e da tradição erudita popular. “Algumas dessas obras são importantes pelo tanto que elas indicam os caminhos que posteriormente o artista adotou. É uma fase particularmente importante essa apresentada porque nela se explicita o vínculo do artista com tradições populares da arte brasileira”, salienta o curador.

Filho de pais nordestinos que vieram tentar a vida na capital paulista, André cresceu na periferia da zona sul, nos arredores do Grajaú. Sua produção se estabeleceu a partir de desenhos com presença de elementos que faziam parte ou despertavam interesse em seu cotidiano da cidade, através da conexão dada com aspectos como a arquitetura e a paisagem urbana. 

As obras apresentadas no Iberê foram realizadas nos últimos cinco anos. É simbólico para ele, porque sua filha mais velha tem essa idade. “Essa experiência me trouxe muitas memórias na infância, que eu passei a perceber na minha pintura com o tempo e cada vez mais me aprofundar em relação a elas. Hoje isso me trouxe também muita liberdade, porque esse mergulho pra dentro é infinito”, diz André, afirmando que, hoje, seu trabalho segue no sentido da busca da memória.

Algumas obras serão apresentadas pela primeira vez. Há obras que passaram direto para coleções sem exposições até um conjunto recente que André trouxe da residência em Nova York. “É importante esse momento de poder buscar esses trabalhos das diferentes coleções e ver todos reunidos no mesmo espaço. E essa é a primeira vez que isso acontece com essa série, e é minha maior exposição numa instituição”, observa.

Têmpera ovo

A pintura de André é preponderantemente baseada na têmpera ovo, técnica que remete ao processo artesanal e pré-industrial, também adotada na Idade Média. “Consiste na mistura do pigmento, que é a matéria seca, em pó, com o aglutinante à base do ovo”, explica. O artista acrescenta: “A têmpera favorece a criação de uma cor muito concreta. Uma cor que tem um grau de pureza e intensidade sem ser agressiva. Pelo contrário, ela é envolvente. Porque ela cria uma película sedosa que o ovo proporciona que dá pra ela uma densidade óptica, que convida você a parar diante da pintura e vivenciar aquele espaço de cor”.

Outro aspecto que o pintor destaca nessa técnica é a criação de um universo cromático, reportando-o para a visualidade popular. A pureza favorecida na presença da cor o leva a pensar nas fachadas populares pintadas a cal, nas bandeiras de festas, nos brinquedos de madeiras coloridos, carregando também, na cor, uma memória afetiva para o artista.
“Na minha infância, morei numa rua de terra, numa casa com piso vermelho de cera e as paredes verdes pintadas a cal. Então tem essa memória que a tempera favorece, por ela também ter essa mesma transparência através da cor tal qual as casas”, conta. A temática das fachadas marca presença no conjunto apresentado no Iberê.

Sua inspiração é grande parte voltada para o trabalho do pintor italiano Alfredo Volpi, cujas pinturas carregam as semelhanças das fachadas populares mencionadas por André, e qual ele já fazia essa tradução pela técnica da densidade cromática, também características da arquitetura brasileira.

Identidade

Na coletânea selecionada para a exposição, o artista destaca a familiaridade com a visualidade de matriz popular e afro-brasileira, também presente na sua trajetória profissional. Para André, é sintomático que a produção dita popular tenha um grande componente de artistas afro-brasileiros, e que foi por muito tempo pouco valorizada ou apartada da produção considerada erudita. 

“Na medida que eu fui me aproximando dessa produção e dessa visualidade contando como uma visualidade popular, a pintura também foi se colocando pra mim num lugar de busca de especulação das minhas raízes”, diz. O processo de ter, em seu repertório, uma inteligência plástica que até então não tinha acessado se deu em um momento de afirmação e busca da sua própria identidade como afrodescendente. Crescendo sem essas referências na sua trajetória, essa busca foi fomentada no pintar. Visitação até o dia 30 de abril. Ingressos à venda no site da FIC. 

Exposição "Da pintura necessária" - André Ricardo
Fundação Iberê (Avenida Padre Cacique, 2000 – Bairro Cristal)
Abertura: Dia 4 de março, sábado, às 14h
Visitação: até 30 de abril, de quintas a domingos, das 14h às 18h
Nas quintas-feiras, a entrada é gratuita. De sextas a domingos, os ingressos custam entre R$ 10,00 e R$ 30,00. 

* Supervisão de Luiz Gonzaga Lopes


Mais Lidas

Guia de Programação: a grade dos canais da TV aberta desta segunda-feira, dia 29 de abril de 2024

As informações são repassadas pelas emissoras de televisão e podem sofrer alteração sem aviso prévio

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895