A quarentona que conquistou o coração dos brasileiros

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Clássico do teatro gaúcho, "Bailei na Curva" faz 40 anos e recebe temporada deste sábado, 30, até dia 8 de outubro no Theatro São Pedro

Luiz Gonzaga Lopes

Elenco atual de "Bailei na Curva" tem nomes como Leonardo Barison, Catharina Conte, Saulo Aquino, Laura Leão, Manuela Wunderlich e Guilherme Barcelos

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Um dos maiores sucessos do teatro gaúcho de todos os tempos celebra 40 anos, mais de 2 mil apresentações e cumpre temporada nos dias 30 de setembro, 1, 5, 6, 7 e 8 de outubro no Theatro São Pedro (Praça Marechal Deodoro, s/nº). Ingressos à venda pelo site theatrosaopedro.rs.gov.br

Se uma das grandes missões do teatro é se consolidar entre o público, ao longo dos anos, se reinventar e permanecer na história, “Bailei na Curva” cumpre os requisitos. A temporada tem sessões de quinta a sábado, 20h, e domingo, 18h. Todas as sessões terão tradução para libras e no domingo, 1º, terá audiodescrição. 

A história narra a trajetória de sete crianças, vizinhas, em abril de 1964. Como pano de fundo, impõe-se a realidade do golpe militar. A peça desenha um quadro divertido e implacável da realidade. Divertido sob o ponto de vista da pureza e ingenuidade das personagens que enfrentam as transformações do final da infância, adolescência e juventude; e implacável pela consequências do Golpe Militar. Assim, se desenha um painel dos usos, costumes e pensamentos da sociedade brasileira na segunda metade do século XX. As brincadeiras de colégio, as aulas de educação sexual, as matinês no cinema, as reuniões dançantes nas garagens, os namoros no carro – uma juventude que opta pela guerrilha e clandestinidade em contraste à outra juventude que abraça as drogas e cai na estrada e, de adultos que optam por conquistas individuais em contraste com os que lutam para resgatar memórias dos anos de chumbo. 

O que faz esta peça tão atual após 40 anos é uma pergunta que precisa ser feita para o diretor Júlio Conte, que abastece o blog Dispositivo Cênico com anotações sobre a peça e que podem virar livro. “A peça partiu de uma estrutura simples de depoimento e testemunho de uma geração e que foi contextualizado dentro do período histórico que vai de 1º de abril de 1964 até 21 de abril de 1985, com a morte do Tancredo Neves. O Bailei começou antes da abertura, o regime era rígido, que tendia a distensão lenta, gradual e restrita, contraposta com a anistia geral irrestrita. Todas as peças até então eram pesadas, dramáticas, intensas, com a carne rasgando, a gente queria falar disso de forma mais leve, pelo viés de crianças olhando os pais, denunciando as contradições dos adultos”. “Os depoimentos geracionais da época como Trate-me Leão”, do Asdrúbal Trouxe o Trombone, ou “School’s Out”, do grupo Vende-se Sonhos são peças maravilhosas e que se encerraram em si mesmo. Já o Bailei, como contextualizou a história de um momento emocional, crítico na formação democrática, ideológica, criativa, liberal de um país, ele se transformou em universal. É a característica dos clássicos, fala de algo bem simples, mas transcende por representar aquela geração e também as que se seguiram”, complementa Conte.

Um dos elementos que marca a cravada de bandeira da peça no mar da imortalidade é a trilha sonora de Flávio Bicca, mas principalmente a canção “Horizontes”, criada na sala de ensaios e imortalizada na voz de Elaine Geisler. “Quando falamos de trilha sonora e musicalidade da peça, obviamente que ‘Horizontes’ aparece. A música foi feita a partir da sala de ensaios, especificamente para a peça, finalizada pelo Bicca. Ela foi alimentada pelos debates e discussões internas da peça e virou um hino de Porto Alegre, ganhou vida própria e muita gente acha que a música veio antes da peça”, frisa Conte, lembrando que a partir dos anos 80 a trilha ganhou alguma atualização: “Tivemos outras músicas novas, uma na voz de Gal Costa, e também ‘Angélica’, criação do Chico Buarque e Miltinho, que trata da dor da perda de um filho e de como lidar com a dor de um país que estava sofrendo”. 

Ao longo dos anos, a peça entrou no circuito de escolas de teatro e grupos amadores e profissionais das artes cênicas. Iniciou a renovação de atores a partir de 10 anos de exibições, e Leonardo Barison, por exemplo, faz parte do elenco desde dezembro de 2005. “O Bailei é um mix de emoções: tem cenas bem pesadas e daqui a pouco vira e estão todos gargalhando”, lembra Barison.

“Lembro como se fosse hoje, o espetáculo estreou no Teatro do Ipê lotado com uma chuva de pétalas de flores. Cena que se repetiu no Teatro do Bourbon Country quando comemoramos o revival dos 30 anos”, recorda com carinho Geraldo Lopes, que assina a supervisão de produção dessa edição. Lopes teve envolvimento total com a montagem desde o momento que Julio Conte e Lúcia Serpa o convidaram para que fizesse a produção do espetáculo, que rodou não somente todas as cidades gaúchas, mas São Paulo, Rio de Janeiro, Florianópolis, Curitiba, Campo Grande.

“Fomos Lúcia e eu a um pequeno escritório da Opus, na época localizado na Praia de Belas e fiquei falando para o Geraldo sobre o espetáculo. Ele logo topou, mas eu continuei falando, como se ainda estivesse tentando convence-lo. Aí ele me falou Julio, para. Eu já disse sim”, se diverte Julio Conte relembrando o contato com Geraldo Lopes.
Segundo Conte, Lopes não somente deu respaldo profissional a ele e ao elenco como também investiu em divulgação. “Outdoor era caro e difícil de fazer naquele tempo. Ele conseguiu colocar um na saída do túnel da Conceição, próximo a Fundação. Era um apenas na cidade toda. Todo mundo via e comentava”, recorda o diretor. Geraldo Lopes lembra com orgulho mais marcos na história do grupo. “Lotou por muitas vezes todos os nossos teatros. No São Pedro, nos dez anos, durante uma temporada de três semanas, a fila da bilheteria chegava até a Assembleia”, assegura orgulhoso.

Sobre o futuro da peça, Conte diz que talvez não chegue aos 50 anos. “Tem muita coisa acontecendo, mas vamos ver”, conclui. 

  • Uma peça para aumentar a identidade local

O projeto comemorativo aos 40 anos de Bailei na Curva é uma parceria da Leão Produções com a Cômica Cultural. Além da direção de Julio Conte, do roteiro e texto final ao longo de 40 anos de Júlio Conte, Cláudia Accurso, Flávio Bicca Rocha, Hermes Mancilha, Lúcia Serpa, Márcia do Canto e Regina Goulart e música-tema de Flávio Bicca Rocha, tem no elenco atual os atores Ana Paula Schneider, Eduardo Mendonça, Catharina Conte, Guilherme Barcelos, Laura Leão, Leonardo Barison, Manoela Wunderlich e Saulo Aquino. Nestas quatro décadas, o elenco é algo que mudou muito. Além do septeto inicial, foram 56 atores desde a estreia em 1983. “Falando dos elencos do Bailei na Curva, até onde eu consegui catalogar foram 56 atores que participaram das montagens”, ressalta Júlio Conte. 

Peça estreou em 1983 no Teatro do Ipe; texto com leveza sobre anos de chumbo segue atual 40 anos depois. Foto: Jéssica Barbosa / Divulgação

“O primeiro elenco que são os autores da peça são Márcia do Canto, Hermes Mancilha, Cláudia Accurso, Lúcia Serpa, Cláudio Cruz, Flávio Bicca Rocha e eu fizemos o primeiro espetáculo. Depois o texto foi se desenvolvendo a partir de um roteiro meu e foi andando. No segundo e terceiro ano, a Lúcia, o Cláudio e a Cláudia saíram e entrou o Marcos Breda, o Fernando Severino e a Neneca Cavalheiro e a Marley Danckwardt. Esta foi a configuração da primeira geração. Quando a gente retomou na reinauguração do Theatro São Pedro, fizemos uma trajetória longa com aquele elenco dos anos 1990, com atores que estudaram e treinaram, com experiência em audiovisual, preparação corporal, vocal, muito mais experiência do que nós. O Bailei virou uma grandiosa colaboração coletiva de 40 anos, um work in progress”, ressalta. 

Sobre a evolução do teatro em Porto Alegre, desde a estreia do espetáculo em 1983, Julio Conte lembra do teatro feito na Ufrgs, com o Grupo Província, com o Luiz Artur Nunes, Susana Saldanha, Graça Nunes e do outro lado tinha o Teatro de Arena, do Jairo Klein, <TB>que tinha um viés mais político. “O Bailei tinha uma proposta de fazer uma produção que tinha uma identidade local, que não precisasse que as pessoas fossem embora como foi o caso do Antonio Abujamra, Paulo César Pereiro e Lilian Lemmertz. Construímos um teatro que gostava de se olhar em cena, de falar de sua identidade local, com peças como ‘Comédia dos Amantes’, ‘School’s Out’, ‘Pois é, Vizinha”, ‘Se Meu Ponto G Falasse’ que mostrava a cara do porto-alegrense em cena, que o teatro fosse um reflexo da nossa sociedade e estabelecendo um teatro falando do que era local”, finaliza Conte. 


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