Ataques às obras de arte em Brasília podem ser considerados crimes de guerra

Ataques às obras de arte em Brasília podem ser considerados crimes de guerra

Durante as invasões do último domingo, dia 8, peças famosas foram danificadas e destruídas pelos extremistas

R7

Quadro 'As Mulatas', pintado por Di Cavalcanti e exposto no Palácio do Planalto

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As depredações feitas por extremistas no último domingo, dia 8, no Palácio do Planalto, no prédio do STF (Supremo Tribunal Federal) e no Congresso Nacional causaram enormes perdas ao patrimônio nacional. Além do valor financeiro, especialistas acreditam que o valor histórico foi brutalmente prejudicado pelos vândalos e que a ação dos grupos envolvidos nos ataques pode ser considerada um crime de guerra.

Entre alguns dos objetos destruídos estão a tela "As Mulatas", do pintor Di Cavalcanti, com preço estimado em R$ 8 milhões, uma escultura de madeira de Frans Krajcberg, avaliada em R$ 300 mil e a escultura "Bailarina", de Victor Brecheret, com o valor de R$ 250 mil, além de objetos com preços inestimáveis, como o relógio fabricado pelo francês Balthazar Martinot, dado como um presente a dom João 6º por Luís 14, da França. Os itens de mobiliário destruídos também têm grande importância para o design brasileiro, como as cadeiras usadas pelos ministros do STF, desenhadas por Jorge Zalszupin — arquiteto e designer polonês naturalizado brasileiro — e com um valor de aproximadamente R$ 15 mil cada uma.

Além de toda a perda material, pesquisadores também ressaltam o valor simbólico que esses ataques tiveram para o Brasil. O professor do Instituto de Artes da Unesp (Universidade Estadual Paulista) Percival Tirapelli avalia que os atos de vandalismo representam uma "perda da alma do povo brasileiro".

"A obra de arte é uma expressão de um povo; nenhuma obra de arte é apenas uma estrutura para olhar e ver que é belo. Se um painel de Di Cavalcanti está lá, é porque o artista olhou para o povo brasileiro, retratou essas pessoas e está dentro do Palácio do Planalto, da sede de onde vai se governar tudo. É simbólico estar ali, representando o Brasil. Não é apenas a materialidade. É uma perda de alegria do povo brasileiro", explica.

A diretora do MAC-USP (Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo), Ana Magalhães, afirma que a depredação das obras de artes e dos edifícios projetados pelo arquiteto Oscar Niemeyer, considerados um patrimônio cultural da humanidade, são vistos como atos de terrorismo pela legislação internacional de museus, da qual o Brasil é signatário. Ela diz que, internacionalmente, o ocorrido no último domingo se equipara à destruição de sítios arqueológicos, na região da Síria, pelo Estado Islâmico e ao bombardeamento de estátuas pelo Talibã. A diretora do museu também diz que os ataques ao patrimônio cultural podem ser considerados crimes de guerra.

"Desde a Segunda Guerra Mundial, é considerado crime de guerra. É uma legislação que foi evoluindo ao longo do século 20 e, de fato, é crime de guerra. Mesmo em uma legislação bélica, atacar o patrimônio cultural do inimigo é um crime hediondo e tem consequências muito graves."

O professor de história da arte crítica e curadoria da PUC-SP Cauê Alves explica que os ataques atentam contra a democracia e a história brasileira. "Depredaram obras muito importantes. Di Cavalcanti é um dos artistas mais importantes do modernismo brasileiro. Na obra As Mulatas, ele buscou compreender e retratar a identidade brasileira, então tudo o que aconteceu neste domingo acaba sendo um ataque à sociedade brasileira como um todo", diz.

Além das danificações em pinturas e esculturas, Alves lamenta as depredações contra a arquitetura de Brasília e acredita que a nação inteira sai perdendo com tamanha violência.

"Atacar a cultura é tentar apagar a história, é tentar destruir o passado e fazer deste país uma terra arrasada. Acho que o projeto foi destruir não só um dos principais símbolos de uma nação, mas de acabar com a história. Acho que esse é o pior legado dessa ação extremista", avalia. "Não se trata apenas de objetos ligados aos três Poderes, tudo isso é patrimônio brasileiro. Não é razoável ou aceitável que alguém que se diga patriota destrua um patrimônio nacional."

Quando projetou Brasília, Oscar Niemeyer pensou em um modelo de cidade para representar uma sociedade brasileira moderna e democrática. Percival Tirapelli considera que as ações de extremistas em Brasília subvertem a concepção de Niemeyer da praça dos Três Poderes. "Ele criou essas rampas para que o povo pudesse ter acesso à Justiça, não ir contra a Justiça; acesso ao poder, não querer destituir o poder; acesso aos congressistas, àqueles que trabalham pela nação e foram votados para que isso seja feito. O que se viu foi que as rampas foram o acesso para a destruição e a barbárie. Essa inversão para a destruição é uma mancha imensa, é uma marca que vai ficar na nossa história para sempre."

O professor da Unesp analisa que algumas das obras podem ser reparadas, mas o pior resquício das invasões são os atentados contra a democracia, a república e a Constituição brasileiras, representadas nos objetos destruídos.

Sobre o restauro das obras de arte depredadas, Ana Magalhães explica que será um processo demorado e com alto custo. A diretora do MAC-USP explica que será necessário a mobilização de conservadores e restauradores de todo o país para realizar esse trabalho. Ela também avalia que será um processo que demorará meses para ser concluído e que, mesmo assim, as obras de arte atacadas jamais serão peças intocadas.

Em nota, o Iphan (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional) informou que ainda não soube precificar o tamanho dos prejuízos, mas aguarda os resultados das perícias para o fazer os levantamentos: "Técnicos do Iphan já estiveram no local desde a noite de domingo. O trabalho de levantamento e identificação de danos ao Patrimônio Cultural, entretanto, aguarda a efetiva liberação dos espaços por parte dos órgãos responsáveis pela perícia".

Também não há uma previsão de quando vão começar as restaurações de algumas das obras. "Em esforços conjuntos com o Ministério da Cultura, técnicos do instituto vão se reunir com a ministra Margareth Menezes, na tarde desta segunda-feira (9), para discutir medidas de restabelecimento de todos os prédios e definir as ações de conservação e restauração dos bens protegidos pelo Iphan."


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