Clássico álbum dos Racionais MC's vira livro de poesia

Clássico álbum dos Racionais MC's vira livro de poesia

Disco de 1997 ganhou reconhecimento e foi selecionado como leitura obrigatória no vestibular da Unicamp

AE

Texto reúne letras das músicas e opiniões comentadas de especialistas da literatura contemporânea

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"60% dos jovens de periferia sem antecedentes criminais já sofreram violência policial." A frase dita no começo de Capítulo 4, Versículo 3 marca o "início" da jornada que os Racionais MC's, maior banda de rap do Brasil, submetem ao ouvinte em "Sobrevivendo no Inferno". O disco de 1997 - clássico do hip hop nacional, guia de uma geração de jovens urbanos sobre os problemas sociais do Brasil, ainda atuais - foi selecionado para o vestibular da Unicamp 2020, por sua poesia contemporânea, e suas letras agora são o material de um livro publicado pela Companhia das Letras.

Em 1997, os Racionais já eram um dos mais importantes grupos de hip hop do Brasil após o reconhecimento que o primeiro disco cheio, "Raio X do Brasil" (1993), proporcionou. Mas com "Sobrevivendo no Inferno", e a marca de 1,5 milhão de cópias vendidas, veio a projeção nacional, o trânsito do rap entre classes sociais, aparições mais frequentes na mídia e turnês internacionais.

Talvez a principal inovação do grupo fosse "a maneira de tematizar o cotidiano periférico" de igual para igual, como diz o professor da Universidade de Pernambuco, Acauam Oliveira, autor do prefácio da edição em livro. Mas há outras que aparecem no Sobrevivendo: "agressividade da postura presente nas letras e nos arranjos, elevado grau de contundência das narrativas, carregadas com o senso de urgência daqueles que estão literalmente em meio a uma guerra".

O texto reúne ainda opiniões de outros especialistas, como Francisco Bosco, Tiaraju D'Andrea e Maria Rita Kehl, para aprofundar o impacto sem igual que o disco teve na cultura brasileira, a ponto de criar uma subjetividade para o morador da periferia que finalmente encontrava uma identificação.

Neste sábado, 24, Mano Brown, Edi Rock, Ice Blue e KL Jay sobem ao palco do Credicard Hall, na única apresentação do grupo no ano, num raro show com banda e uma retrospectiva da carreira (prévia da turnê que deve ocorrer em 2019 para celebrar 30 anos de trabalhos).

Sobre o livro, o disco e o futuro dos Racionais, Edi Rock falou quando recebeu a reportagem no escritório do Twitter, em São Paulo, na semana passada:

Racionais pré "Sobrevivendo" O rap.

"Eu falo Racionais, mas o rap antes do "Sobrevivendo no Inferno" eram as periferias do Brasil, era onde a mensagem chegava. A gente saiu de São Paulo com "Raio X do Brasil" (1993) e começou a fazer shows nas periferias. A partir do "Sobrevivendo" saímos para fora do Brasil. Começamos a cantar para várias outras classes. Começamos a cantar nos Jardins. A nossa vida inteira foi formada na periferia, nos cantos de São Paulo. Pós-Sobrevivendo, começamos a ir além da ponte.

Relação com a mídia

"Nesse momento, o grupo passou a ter uma assessoria de imprensa, uma preocupação de divulgar o trabalho corretamente nos veículos de comunicação. Tem esse momento de organização, por onde veio o relacionamento com a mídia escrita principalmente, e não com a visual, digamos. Naquela época, não tinha internet, estava bem no começo. A gente tinha uma boa relação, pelo que lembro, com o Notícias Populares, com o Estadão, Folha de S. Paulo. E outros. A gente fazia o que eu estou fazendo aqui com você agora. Relação tranquila, natural, estamos divulgando nosso trabalho."

Andar armado na época do disco (após sofrer ameaças)

"Houve uma época em que a gente era ameaçado, então tinha que andar ligeiro, andar esperto. A gente não queria pagar um segurança oficial, porque tinha que ser polícia. Por isso que cada um tinha posse e porte de arma. E só dava merda. Brigar no trânsito era motivo para pegar (a arma). Sei lá."

"No Sul, uma vez, teve um desentendimento entre o pessoal contratante de um show e a gente. Nosso pessoal foi maltratado, deu uma puta treta, ficamos nós contra os caras do baile, dentro do ônibus, mó pressão.Acabou que o show foi cancelado, um dos nossos integrantes na época levou uma coronhada, teve que ir para o hospital. Eles queriam agredir o KL Jay. Todo mundo entrou dentro do ônibus depois do bate-boca, uma confusão. Quando o busão está fazendo a volta no quarteirão, os caras encheram de bala. Vários tiros. Todo mundo assim: "abaixa, abaixa". Essa é uma das fitas. Sempre dá merda. A partir do momento que a gente parou de andar armado, parece que o ferro e a pólvora se libertaram das entranhas da Terra (risos)."

Mudanças na abordagem das músicas

"A gente falava meio que como dono da razão. Como ditador. "Não faça isso, não faça aquilo". Passamos a consertar o discurso. Isso rolou antes do "Sobrevivendo no Inferno". Aqui a gente já estava encontrando o dialeto, a linguagem direta. Na verdade, no "Nada como um Dia Após o Outro Dia" (2002), a linguagem é mais rua ainda. Sobrevivendo ainda era a transição. É um disco mais político. Sobre a época mesmo, da briga pelos direitos humanos, falando da chacina no Carandiru, tudo isso. "

"Mas vejo uma transição. Achamos o caminho no "Chora Agora e Ri Depois" (o disco citado acima). Era aquilo que agradava a gente, foi ali o momento "agora sim, som da hora". Brasil 2018 As pessoas se desesperaram. Como continuar na quebrada? "Precisamos de um capitão do mato", é isso que está acontecendo. O povo elegeu o capitão do mato. Então, se prepara. Aqueles que são e continuam lá vão continuar sofrendo, vão continuar morrendo. A urgência é discutir sobre isso. Eu vejo em colocar isso no meu trabalho, na minha música.

"Colocar 'de onde você veio, para onde você vai, o que você quer'. O desespero e a violência venceram novamente. Apareceu um cara falando que era o salvador da pátria, acreditaram, até porque o outro estava desacreditado, no descrédito. Somos políticos, o que fazemos no dia a dia, o rap é político. O rap briga pelos direitos humanos, pelo direito de ir e vir, pelo direito de ser livre, porque aprendemos assim. Ser livre e ser quem você é. Lutar pelo direito de ter sua opinião. Chegou a hora de discutir: o que queremos, o que precisamos na realidade? Se é se amar, pensar na paz."

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