Direitos dos caiçaras são tema de manifestações e de mesas alternativas na Flip

Direitos dos caiçaras são tema de manifestações e de mesas alternativas na Flip

"Índio não deixa de ser índio porque usa celular", disse representante indígena

Agência Brasil

Ato reúne pautas de povos tradicionais, feministas, movimento negro, ativistas por direitos LGBT e pela educação

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Movimentos sociais promovem, na tarde deste sábado, manifestação durante a Festa Literária Internacional de Paraty (Flip). O ato reúne pautas de povos tradicionais, feministas, ativistas pela educação, por direitos LGBT e do movimento negro e posiciona-se contra o governo interino Michel Temer.

Chamado de Ocupa Flip, o protesto tem como um dos principais objetivos denunciar violações de direitos dos povos e das comunidades tradicionais. A manifestação se concentrou na Praça da Matriz, no centro histórico, e percorreu as ruas da cidade divulgando as revindicações com cartazes e palavras de ordem.

Desde o início da festa, o movimento Trindade Vive espalhou cartazes nos postes de Paraty com mensagens contra a especulação imobiliária e o turismo predatório na região. Em 2 de junho, a localidade de Trindade testemunhou o assassinato do jovem caiçara Jaison Caique Sampaio, de 23 anos. O crime causou indignação e está em investigação pela polícia. A comunidade afirma que o jovem foi morto por seguranças contratados pela empresa privada Trindade Desenvolvimento Territorial. A Agência Brasil não conseguiu entrar em contato com a empresa.

"Esse problema causou grande mobilização na comunidade na luta por justiça, até pelo histórico de Trindade, que desde a década de 1970 já sofreu com diversos atos de violência", diz o representante caiçara Davi Paiva na tenda montada pela comunidade no centro histórico de Paraty para divulgar a cultura e as reivindicações da população de Trindade. "A gente acredita que a mobilização tem de ser não só da comunidade, mas de toda a sociedade, que tem de olhar para o que está acontecendo em Paraty."

Davi acredita que o caiçara talvez seja o mais afetado pela descrença da sociedade em relação aos povos tradicionais. "Por ser uma mistura dos portugueses, dos índios e negros, ele [o caiçara] é um pouco a cara do Brasil, que é a cara de todos nós", conta. "Não preciso estar com um chapéu de palha e um matinho canto da boca mastigando, e usando roupas típicas para poder ter minha identidade reforçada. A cultura é algo que está em constante mudança. O índio não deixa de ser índio porque usa um celular."

Os caiçaras são povos tradicionais que vivem entre a costa do Paraná e a do Sul do Rio de Janeiro. Historicamente, suas principais atividades eram a pesca e a lavoura e, em muitos casos, eles foram expulsos do litoral pela especulação imobiliária. Atualmente, esses povos muitas vezes se dedicam ao ecoturismo, como ocorre em Trindade. Contra a especulação Além do protesto, duas mesas na programação alternativa à tenda principal da Flip trazem hoje a pauta caiçara para o debate. Pela manhã, no Instituto Silo Cultural, representantes de povos caiçara e quilombola e pesquisadores se reuniram para discutir as ameaças aos territórios.

Entre as preocupações mencionadas, a privatização de áreas de conservação, onde a maior parte desses povos vive, foi destaque. O antropólogo e professor da Universidade de São Paulo Antônio Carlos Diegues defendeu que a autonomia é fundamental para os povos tradicionais. Para ele, a organização caiçara só se tornou possível quando os quilombolas ganharam espaço. "Em vez de reconhecer os direitos das comunidades como autônomas, o que o governo propõe [com concessões de áreas de preservação] vai impedir que exerçam autonomia", diz o pesquisador, que estima: "Talvez 90% das comunidades tradicionais vivam em áreas de preservação".

Quilombola e membro do Fórum de Comunidades Tradicionais de Angra dos Reis, Paraty e Ubatuba, Ronaldo dos Santos lembra que não é coincidência esses povos viverem em áreas preservadas. "Não sou incompatível com a Mata Atlântica, tanto é que a Mata Atlântica que resta está onde eu vivo", diz o ativista. Ele manifestou preocupação com as garantias de direitos dos povos tradicionais nos próximos anos. "Tem muita gente engasgada com o avanço das pautas progressistas."

Do ponto de vista cultural, o músico caiçara Luiz Perequê defendeu que sem a garantia do território sobra uma angústia aos povos tradicionais. "Tem uma cultura que só acontece aqui. Se não tem esse espaço, não tem como acontecer", disse. Perequê também criticou a transformação das manifestações culturais apenas em produtos culturais pela indústria turística. "Não se pode deixar transformar tudo em entretenimento para o turista."

Luta por direitos

Na noite deste sábado, o jornalista e advogado Paulo Stanich Neto participa de uma mesa na Flip Mais e lança o livro "Direito das Comnunidades Tradicionais Caiçaras", em que apresenta pareceres jurídicos que fundamentam a luta dos caiçaras pela terra. "Nossa mensagem é que temos fundamentos jurídicos e que eles [os caiçaras] não deleguem essa representatividade. O caiçara é um sujeito, não o objeto. Ele tem condições de lutar pelos direitos dele", disse o organizador do livro. Segundo ele, os caiçaras são ameaçados por grileiros, por governos e por organizações não-governamentais que tentam tomar seu protagonismo.


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