Do luto à letra: a história de Boris Fausto na Flip

Do luto à letra: a história de Boris Fausto na Flip

Historiador protagonizou a primeira mesa da manhã desta sexta na 13ª Festa Literária de Paraty

Luiz Gonzaga Lopes

O historiador Boris Fausto, de 84 anos, foi o destaque desta manhã

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A primeira mesa da Tenda dos Autores desta sexta na 13ª Flip foi dedicada à literatura do luto e à história, à microhistória e às opiniões sobre a evolução do Brasil desde 1930. Com mediação do diretor do Instituto Moreira Salles e editor da Serrote, Paulo Roberto Pires, o historiador Boris Fausto, de 84 anos, falou primeiramente do seu livro lançado no final de 2014, "O Brilho do Bronze" (Cosac Naify), que é o diário da perda da esposa Cynira, com quem foi casado durante 49 anos e que morreu em decorrência de um câncer em 2010.

A literatura do luto, gênero nem tão adotado em relação a outros mais populares, vai de Roland Barthes ("Diário de Luto") até Joan Didion ("O Ano do Pensamento Mágico"). "Era um texto das sensibilidades que afloravam. Estava fazendo análise e a analista leu o texto, gostou, e pediu para eu continuar. Após falar com a Marta Garcia que tinha me editado na Companhia das Letras e está na Cosac, é que passei a pensar que tinha um público. Não quis elaborar demais, nem fazer um relato edificante. Ela era uma mulher determinada, do fazer, com baixo nível de retórica e o livro também foi no caminho da objetividade com o sentimento, da simplicidade", destacou o historiador.

Instigado pelo mediador, Boris respondeu a provocação de um ateu convicto acreditar na transcendência ao visitar regularmente o cemitério do Morumbi, onde estava Cynira, apesar de ela ter sido cremada. "Eu e Cynira optamos pela cremação. Quando fui ao centro judaico Midrach, do Leblon, do rabino Nilton Bonder, todos estavam assombrados com a cremação. Eu fiquei com as cinzas e o cemitério era o lugar familiar de memória, onde está meu pai também. Comecei a conviver com as pessoas no cemitério, o que rendeu também alguns relatos do diário", afirmou.

No livro, Boris fala também de novas histórias de amor, de recomeçar depois dos 80. "As novas histórias de amor acabaram virando mais as amizades com as figuras femininas, que não eram tão comuns na vida insulada que eu e Cynira tínhamos, principalmente após o câncer. Hoje o luto se encerrou e eu sou capaz de falar de Cynira sem chorar", relatou Boris.

Ele falou também da sua relação atual com São Paulo, cidade na qual nasceu e vive desde 8 de dezembro de 1930. "A minha relação com a cidade é de amor e ódio. Se alguém fala mal da poluição e do trânsito, eu defendo, mas eu tenho saudade da cidade do bonde, do trânsito regular, das cantinas, da comida japonesa só na Liberdade. Vou parafrasear o Claude Levy-Strauss sobre Paris que disse que tudo é pior em Paris, exceto os hospitais e aí os imigrantes deram uma grande contribuição a estes hospitais"

Como a história é algo vivo, que se vive no presente e se resgata a posteriori, o historiador não se furtou ao direito de falar da atualidade, das jornadas de junho de 2013 e do cenário atual da política. "Houve momentos de razoável equilíbrio financeiro e de programas sociais atuantes nos primeiros momentos do governo do PT. Acho que a partir do segundo mandato do governo Lula, houve uma política inadequada, ideológica e a cúpula do partido se desvencilhou da cartilha e é formada de gente corrupta, mafiosa, um sistema de gangue.

Faltou a este governo assumir que o período recessivo estava chegando. Acredito que este foi o pecado da Dilma Rousseff, mas também ela não se envolveu diretamente com a corrupção", observou. Na pergunta sobre o papel da oposição, foi mais inclemente ainda: "A oposição vai mal, obrigado! O ponto não é o impeachmente, mas que a oposição tenha um pensamento próprio, que diga que é contra a corrupção, que fale que representa a classe média, que o partido (PSDB) tivesse coerência, que votasse a favor do fator previdenciário lá no governo FHC e que agora votasse coerente, mesmo que o PT estivesse a favor", finalizou Boris Fausto.

Nas falas sobre política, o público, em torno de 700 pessoas da mesa, aplaudiu o historiador por umas quatro vezes. Foi uma mesa afetiva, histórica e de opiniões fortes, como é a principal característica da Flip ao longo destas 13 edições. Para esta sexta, os destaques são a mesa "Escrever ao Sul", com o australiano Richard Flanagan (vencedor do Man Book Prize 2014) e o queniano Ngugi wa Thiong´o, às 17h15min, e "Amar, Verbo Transitivo", com Ana Luisa Escorel e a israelense Ayelet Waldman, às 19h30min, ambas na Tenda dos Autores.

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