Em carta, Mário de Andrade não deixa claro homossexualidade

Em carta, Mário de Andrade não deixa claro homossexualidade

No entanto, um trecho sugere o desafeto do escritor com Oswald de Andrade

AE

Trecho de carta do escritor era mantido em sigilo

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Foi divulgado nesta quinta, pela Fundação Casa de Rui Barbosa por determinação da Controladoria Geral da União (CGU), o trecho de uma carta de Mário de Andrade a Manuel Bandeira. Até então mantida em segredo, ela revela o incômodo do modernista com os comentários sobre sua "tão falada" homossexualidade.

Ao contrário do que se especulava, Mário não menciona com clareza sua orientação sexual. Diz tratar o tema com "absoluta e elegante descrição (sic)" a ponto de ser "incapaz de convidar um companheiro (...) a sair sozinho comigo na rua". "Mas em que podia ajuntar em grandeza ou milhoria (sic) eu elucidar você sobre minha tão falada (pelos outros) homossexualidade? Valia de alguma coisa eu mostrar o muito de exagero que há nessas continuas (sic) conversas sociais?", diz o trecho .

A carta - publicada com cortes por Manuel Bandeira em livro de 1958 - tornou-se integralmente pública depois de uma briga judicial iniciada quando o jornalista Marcelo Bortoloti, da revista Época, recorreu à Lei de Acesso à Informação. A Casa de Rui Barbosa negou o pedido, com o argumento de que respeitava a intimidade e a imagem do escritor. O caso chegou à CGU, que, em 9 de junho, decidiu liberar o acesso de pesquisadores à carta completa.

Na edição de 1958, a última frase antes do trecho omitido foi: "Está claro que nunca falei a você do que se fala de mim e não desminto". Mário de Andrade passa a se lamentar das fofocas. No parte mais explícita, divulgada nessa quinta, afirma: "Mas si (sic) agora toco neste assunto em que me porto com absoluta e elegante discreção (sic) social, tão absoluta que sou incapaz de convidar um companheiro daqui a sair sozinho comigo na rua e se saio com alguém é porquê (sic) esse alguém me convida, si toco no assunto, é porquê (sic) se poderia tirar dele um argumento pra explicar minhas amisades platônicas (sic), só minhas".

A divulgação do texto integral permitiu que se desvendasse outro mistério, não relacionado ao trecho em que Mário desabafa sobre sua sexualidade. É possível identificar o nome do desafeto do modernista que foi rasurado e substituído por "X" no livro publicado por Bandeira. No texto original, Mário de Andrade fala em "Oswaldo". Possivelmente era o também modernista Oswald de Andrade. Mário e Oswald foram amigos e romperam em 1929. O nome "Oswaldo" está riscado a caneta vermelha, com o "X" por cima. Mário diz: "E o mais bonito, Manú, é que o Oswaldo não é meu amigo. Eu é que sou amigo dele". Em seguida, afirma: "Porém conhecendo quotidianamente o
Oswaldo, posso muito, particularmente, afirmar que ele não tem nobreza moral". É possível que o próprio Bandeira tenha riscado o nome e substituído pelo "X".

O acervo de Bandeira, com as cartas de Mário de Andrade, chegou à Casa de Rui Barbosa em 1978. Naquele ano, o então presidente da instituição, Plínio Doyle, decidiu manter em sigilo o trecho omitido por Bandeira. A consulta à carta misteriosa está aberta aos pesquisadores mediante agendamento prévio no setor de arquivo da Casa de Rui Barbosa, que fica em Botafogo, na zona sul do Rio.

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