Em sua 20ª edição, Fantaspoa traz mais de 230 filmes e se consolida como um festival que vai muito além do gênero de terror

Em sua 20ª edição, Fantaspoa traz mais de 230 filmes e se consolida como um festival que vai muito além do gênero de terror

Evento acontece entre os dias 10 e 28 de abril em Porto Alegre

Carlos Correa

João Pedro Fleck (E) e João Pedro Teixeira (D) mantêm rotina incessante nos dias do festival

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Olhar para as origens do Fantaspoa é como viajar no tempo. Este ano, quando comemora 20 anos, o evento traz números tão superlativos que folhear as páginas em direção ao passado é como acordar na pré-história. Afinal de contas, o festival não era nem bem um festival. Tudo bem, estava lá no nome: I Festival de Cinema Fantástico de Porto Alegre. Mas olhando com o distanciamento de duas décadas, os próprios organizadores admitem que estava mais para uma mostra do que um festival. Não havia competição e muito menos programas em paralelo que mobilizassem a comunidade. Mas havia uma bandeira sendo fincada no chão da cidade que faria toda a diferença. Se você construir, eles virão. E eles vieram.

Se em 2005 foram 800 espectadores ao longo de seis dias, no ano passado, na 19ª edição do Fantaspoa (o nome passou a ser utilizado a partir de 2007) esse número cresceu para mais de 12 mil. Isso, claro, sem falar nos filmes. Em 2005, foram 15 produções. Em 2023, passou para 172. A marca para este ano é ainda maior. No total, serão 237 filmes – 114 longas e 123 curtas – entre os dias 10 e 28 de abril, em Porto Alegre.

Mais do que a quantidade, no entanto, o grande diferencial do festival é a oportunidade única de assistir a produções de lugares e culturas tão distantes entre si como Eslováquia, Irã e Nigéria. Há produções de todos os cinco continentes representadas. “A gente faz o festival que gostaríamos de assistir. Não vai ter filme que a gente acha um saco. Por algum motivo eles estão ali. Pode ser ineditismo, representatividade de país, de cultura. Têm motivos para os filmes estarem ali. E todos têm um elemento fantástico. As pessoas podem até não entender em um primeiro momento, mas lá adiante vão sacar”, afirma João Pedro Fleck, um dos fundadores do Fantaspoa e figura impossível de não ser notada nos dias do evento, tamanha a onipresença.

"Rainha dos Ossos" é uma história sombria sobre gêmeos que suspeitam de segredos da família | Foto: Divulgação Fantaspoa / CP

O elemento fantástico permeia todas produções e talvez seja também o causador de um dos maiores enganos de quem acompanha tudo de longe: achar que se trata de uma programação voltada só para admiradores do gênero de horror. Não que não tenha muitos filmes de terror. Têm. Mas sequer são maioria. Não por acaso, o vencedor da Mostra Competitiva Internacional do ano passado foi uma comédia romântica futurista chamada “Molli e Max no Futuro”.

“É um desafio fazer a comunicação do festival e mostrar que não é só isso”, admite outro João Pedro, o Teixeira, que entrou para a turma do Fantaspoa em 2017 e agora é, ao lado de Fleck, um dos três sócios – o terceiro é Nicolas Tonsho. “Acontece muito de eu falar e a pessoa dizer que não gosta de terror. Aí eu já tenho a listinha pronta de filmes de outros gêneros que estão na programação. É um papel do festival apresentar uma pluralidade de cinema, trabalhar com linguagem”, completa ele.

“Acontece muito de eu falar e a pessoa dizer que não gosta de terror. Aí eu já tenho a listinha pronta de filmes de outros gêneros que estão na programação. É um papel do festival apresentar uma pluralidade de cinema, trabalhar com linguagem”

A percepção de que o Fantaspoa se restringe a filmes de terror ainda existe, mas tem diminuído à medida que o festival tem crescido. E esse crescimento se reflete também nas salas de cinema. Se na primeira edição, eram apenas duas – P.F. Gastal e Ritz (essa com um projetor digital alugado) –, o número de opções só cresce. Este ano a programação terá exibições na Cinemateca Capitólio, Casa de Cultura Mário Quintana e Instituto Ling, além da novidade de 2024, a inclusão também do Cine Cult Victória, que vai proporcionar mais sessões às segundas-feiras, dia em que a CCMQ está fechada.

O leitor mais atento já percebeu que não há programação nas salas de shopping center, uma escolha nada por acaso. “Tem uma galera que nunca teve o hábito de ir ao cinema, ainda mais agora com o streaming, e que vai nesses dias. Os cinemas de Porto Alegre exibem, olha, se a gente exagerar muito, 200 filmes diferentes no ano todo. A gente vai passar 114 em poucos dias”, observa Fleck, torcendo para que o festival contribua para o retorno do público aos cinemas de rua. “O mais legal do clima é que parece um retorno às origens de sala de cinema, como uma experiência coletiva, o pessoal curtindo junto”, completa Teixeira.

"A Lua Invisível" é uma produção conjunta de vários países do Leste Europeu | Foto: Divulgação Fantaspoa

NOMES EM ASCENSÃO JÁ PASSARAM PELO FESTIVAL

Depois de uma primeira temporada de sucesso e outras duas um tanto quanto apagadas, a série “True Detective” voltou a despertar a atenção do público este ano em uma trama de mistério que tinha Jodie Foster à frente do elenco. A responsável pelos novos episódios? A mexicana Issa López. Em 2022, “RRR”, um filme de ação indiano tornou-se um inesperado sucesso na Netflix com sequências que fariam a franquia da Marvel chorar de inveja. Seu diretor? S.S. Rajamouli. Dois anos antes, em 2020, “O Poço”, uma produção espanhola que misturava suspense e crítica social, foi lançada na Netflix e virou um fenômeno instantâneo. Seu roteirista? Pedro Rivero.

O que une todos eles? Os três tiveram passagem pelo Fantaspoa, sendo que dois deles inclusive vieram a Porto Alegre. “Baahubali”, filme de Rajamouli de 2015, foi exibido na Capital no ano seguinte no festival, sem a presença do diretor. Já Issa e Rivero vieram à Capital. O roteirista, inclusive mais de uma vez, tamanho os laços que criou com os organizadores do evento. “Deve ter gente que acompanhou o festival em 2018 e pode dizer que tomou uma cerveja com a Issa López no Odeon”, brinca João Pedro Fleck, referindo-se ao bar e à passagem da diretora por aqui em 2018, quando foi exibido (o ótimo) “Os Tigres Não Têm Medo”, do ano anterior.

“Deve ter gente que acompanhou o festival em 2018 e pode dizer que tomou uma cerveja com a Issa López no Odeon”

A presença de nomes como o trio dá a dimensão de que o Fantaspoa joga bem tanto na quantidade como na qualidade. Por isso, convém ficar de olho em alguns dos nomes que estão confirmados para as mais de 60 sessões comentadas que estão previstas para os 19 dias do evento. Para o público em geral, é uma rara oportunidade de estar em contato direto com os realizadores do filme a que acabaram de assistir. Na outra ponta, para esses, a resposta imediata da plateia é um termômetro importante sobre a sua obra. Não raro, essa relação não termina nos 30 minutos de conversa na sala de cinema e acaba se estendendo para a mesa de bar mais próxima.

Com mais de 4h30min, "Trenque Lauquen" vai fechar o festival desse ano | Foto: Divulgação Fantaspoa / CP

Este ano, um dos nomes mais festejados é o do argentino Demián Rugna, diretor de “O Mal que nos Habita”, terror de baixo orçamento lançado este ano, que ganhou críticas positivas e arrecadou mundialmente quase US$ 2 milhões. Entre outras caras mais conhecidas do público de horror, também está a atriz Jenna Kanell, protagonista de “Terrifier”, franquia de sucesso em que a personagem é perseguida por um palhaço assassino. Ele vem para participar de uma sessão comentada de “Faceless After Dark”, produção que abusa da metalinguagem, já que no filme, a personagem vive uma atriz que interpreta um filme no qual é... perseguida por um palhaço.

Uma programação que abrange produções de todos os cantos do mudo, por óbvio, traz seus desafios. O mais complicado deles talvez seja a tradução, que quase sempre é feita pela própria equipe do Fantaspoa. “Dos 123 curtas, o Nicolas traduz uns 90. Dos 114 longas, traduzi 45, uns 50”, revela Fleck, pontuando que o número aumentou do ano passado para cá em função da verba disponível, consideravelmente menor do que no ano passado.

Aliás, o aspecto econômico do festival é outro fator importante. Como o público tem crescido a cada ano, a visão é de que até mesmo para a cidade, o Fantaspoa é um bom negócio, visto que movimenta em suas quase três semanas cerca de R$ 2 milhões na economia local se levados em conta custos com passagens, hospedagem e alimentação.

"Galera acha que por ter 20 anos a gente está garantido. Não. Pelo contrário, no começo o festival custava R$ 5 mil. Hoje, não tem como fazer por menos de R$ 300 mil.”

Aos olhos do público que frequenta o evento, o Fantaspoa é um sucesso e sua curva é ascendente. Para quem está por dentro da máquina, por mais animadores que sejam os números, a edição seguinte é sempre uma possibilidade, mas nunca uma certeza. “Quem trabalha com cultura no Brasil sabe que é uma luta anual. Não é tranquilo. É estressante, sempre na corda bamba”, revela João Pedro Teixeira. Fleck vai na mesma toada: “Não se tem garantia nenhuma de que vai se fazer o próximo evento. Quando termina um, já começamos a batalhar o outro. Galera acha que por ter 20 anos a gente está garantido. Não. Pelo contrário, no começo o festival custava R$ 5 mil. Hoje, não tem como fazer por menos de R$ 300 mil.”

No ano passado, dias após o fim da 19ª edição, Fleck fez uma publicação nas redes sociais comentando que aquela seria o canto do cisne do Fantaspoa, que não havia mais forças para continuar, tamanho os obstáculos que vão aparecendo. Os mais conhecidos sabiam que era uma pegadinha, ou na melhor das hipóteses, uma provocação. Os comentários na publicação, contudo, foram de desespero. “Foi só uma brincadeira”, diverte-se Fleck. “É, mas causou uma certa celeuma, eu tive que dar muita explicação”, pontua, rindo, Teixeira.

O japonês "Os Olhos da Minha Mãe" traz elementos de fantasia e realidade virtual | Foto: Divulgação Fantaspoa / CP

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AS FESTAS

A programação dos filmes, é claro, é o coração do festival. Porém, a comunidade que se criou ao longo dos anos sabe que o evento não termina necessariamente ao final das sessões e as festas são parte essencial na história do Fantaspoa. Este ano, a de abertura será realizada no dia 12, no bar Córtex e tem como principal atração uma performance de luta livre realizada por integrantes da EWF (Evolution Wrestling Force). Outra tradição do evento, a festa de encerramento à fantasia, no barco Cisne Branco, também está confirmada, desta vez no penúltimo dia, 27 de abril. Isso porque está programado um show de encerramento propriamente dito no dia 28, no Bar Opinião, com duas bandas, a gaúcha Damn Laser Vampires, que havia terminado, mas vai se reunir especialmente para o Fantaspoa, e também a Pasco 637, de metal, que tem entre seus componentes o diretor argentino Demián Rugna.

O MADRUGADÃO

Um dos eventos com os ingressos mais disputados a cada edição do Fantaspoa é o “Madrugadão”, realizado sempre na Cinemateca Capitólio. Como o próprio nome indica, trata-se de uma sessão que começa tarde da noite e vai madrugada adiante com a exibição de várias produções. Para valorizar mais a proposta este ano, os filmes exibidos no Madrugadão não passarão em nenhum outro dia. Ou seja, a única chance é lá mesmo. Além disso, foi criada uma mostra competitiva apenas para as produções em questão, que no caso são “Blind Cop 2”, “Merdas Acontecem e Milagres Também”, “O Retorno da Mulher da Garganta Cortada” e “Satranic Panic”.


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