Entre risadas e suspiros, "Misery" fez temporada no Theatro São Pedro

Entre risadas e suspiros, "Misery" fez temporada no Theatro São Pedro

Produção trouxe Marcello Airoldi e Mel Lisboa nos papéis principais

Caroline Guarnieri *

Peça é adaptação do romance homônimo de Stephen King, de 1987

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“A vida nos prega peças”, disse Paul Sheldon, na pele do ator Marcello Airoldi, ao receber o prêmio de melhor romance pelo lançamento de “O Retorno de Misery”, livro que escreveu enquanto estava mantido em cativeiro pela enfermeira Annie Wilkes, vivida por Mel Lisboa. A fala da cena final resume o sentimento do público após 2h de peça: suspenses e surpresas costurados em um enredo que valoriza o talento do elenco protagonista, arrancando risadas e suspiros de um público atento. A própria peça nos prega, ironicamente, diversas peças.

Paul Sheldon havia recém terminado um livro que finalmente fugia da saga da personagem Misery Chastain, da qual queria tanto se afastar. Ele performou seu ritual de sempre: cigarro e Dom Pérignon. Quando pegou a estrada alcoolizado, ele nem sabia quem era Annie Wilkes. Quando sofreu um acidente no meio de uma tempestade de neve, ele não esperava ser resgatado. Quando acordou em um quarto estranho, ele não imaginava que permaneceria lá por meses.

A peça “Misery”, apresentada neste final de semana no Theatro São Pedro pela WB Produções, começa no quarto da casa de Annie, com Paul imobilizado na cama. A plateia vê o acidente e o resgate em formato de flashback, com as memórias projetadas nas paredes do cenário como se fosse um sonho. Uma voz continuava aparecendo nos seus pensamentos, distorcida e misturada com a trilha sonora: “Nada de ruim vai acontecer com a Annie aqui, eu sou sua fã número um”.

A trama se desenrola aos poucos, revelando apenas o suficiente a cada cena, a tensão do público quase palpável como uma multidão inteira segurando a respiração ao mesmo tempo. Podemos ver Paul se recuperando dos ferimentos ao mesmo tempo que seu uso de analgésicos se transforma em um vício de opióides. Annie mostra outras faces de si mesma, oscilando entre uma enfermeira prestativa e uma mulher desequilibrada e agressiva, com um passado obscuro e um humor volátil. 

Sheldon é forçado a escrever uma sequência para a personagem de Misery Chastain. Cada vez que Annie precisava sair para ir até a cidade, ele tentava fugir, nunca com sucesso. O palco giratório construído pela produção tornava possível a movimentação dos personagens, expondo outras partes da casa. No lado de fora, o xerife da cidade aparecia para prestar contas sobre o desaparecimento do autor.

Êxito técnico

Muitos elementos da peça demonstraram o êxito técnico da equipe. A trilha sonora sustenta o suspense das cenas, com trechos originais misturados aos discos de Liberace de Annie. A maneira como a produção retrata a passagem do tempo foi um dos pontos mais altos da noite. No interior da casa, Paul empilhava papéis amassados no chão enquanto Annie andava de um lado para o outro lendo as páginas recém escritas. Do lado de fora, o tapete branco que representava a neve do inverno norte-americano era lentamente retirado por roadies conforme as luzes indicavam a mudança entre dias e noites.

A atuação do trio Marcello Airoldi, Mel Lisboa e Alexandre Galindo não fica para trás. A frieza do pensamento crítico de Sheldon encontra seu desespero em momentos de dor, entregues por Airoldi. Mel passou pelas nuances da obsessão de Annie de forma a nos deixar sempre duvidando de qual seria seu próximo passo. Galindo vestido de xerife foi responsável por fazer o público valorizar o silêncio entre falas e pensamentos.

A equipe, liderada pelo diretor Eric Lenate, conseguiu apresentar uma versão mais moderna e atualizada do texto original de Stephen King, adaptado para o teatro por William Goldman. Como Mel comentou, em entrevista ao Correio do Povo no início da última semana, é possível contar a história de “Misery” dando mais complexidade à protagonista feminina, fugindo da narrativa do “homem em perigo”. 

Após falar que “a vida nos prega peças”, Paul Sheldon nos entrega o último e mais surpreendente exemplo disso: Annie, já morta, reaparece em meio ao público da galeria do teatro para aplaudir seu discurso de agradecimento. A princípio, só ele a enxerga, quem sabe como uma manifestação do seu inconsciente. Para a plateia, restou o último suspiro de surpresa no fim de uma montanha-russa de emoções - duas horas de olhos vidrados.

*Sob supervisão de Marcos Santuario


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