Escritores e professores exaltam as qualidades de Rubem Fonseca

Escritores e professores exaltam as qualidades de Rubem Fonseca

Luís Augusto Fischer, Júlio Ricardo da Rosa, Flávio Azevedo, Gustavo Melo Czekster e Sergius Gonzaga, lamentam a morte, mostrando a sua essencialidade na narrativa, estilo direto, crueza e visceralidade

Rubem Fonseca morreu nesta quarta, no Rio de Janeiro, aos 94 anos

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"Morrer aos 94 é uma bênção, já. E com obra realizada, mais ainda. Rubem Fonseca é um sujeito que deixou sua marca na língua portuguesa que escrevemos -- não houve, antes dele, ninguém com seu timing para a narrativa seca, direta, sem floreios, sem dores de consciência do narrador, nada. Uma coisa à moda do cinema americano dos tempos áureos, em que o narrador, o ponto de vista, nem parece existir. E ele fez isso na narrativa curta. Ele modernizou a literatura brasileira, enfim. Quanto ao romance, reitero a opinião que o Décio Freitas tinha dele -- Rubem Fonseca tratava a história como uma sucessão de "faits divers", e isso se vê claramente em "Agosto"".
Luís Augusto Fischer, professor de Literatura da Ufrgs

 

"Nenhum escritor influenciou tanto a literatura brasileira quanto Rubem Fonseca. A partir do lançamento de “Os Prisioneiros,” em 1963, a escrita em Língua Portuguesa foi marcada por seu estilo, pela temática e pelo tipo de narrador que ele criou. Ele mergulhou em um universo que a literatura brasileira ignorava. Sua prosa seca, despojada de descrições, as vezes cruel em sua temática, criou um universo até então inédito em nosso universo literário. Seu romance “A Grande Arte” é um dos grandes livros de nossa literatura. Mestre da narrativa curta, Rubem Fonseca criou contos como “Placebo,” “A Coleira do Cão,” “Lúcia McCartney,” além de um personagem marcante— o advogado Mandrake, pai de todos os detetives da literatura nacional. “Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos” é um clássico, a altura dos melhores de John Le Carré". 
 Júlio Ricardo da Rosa, escritor e blogueiro

 

"Em 2011, quando a UFRGS incluiu Feliz Ano Novo, de Rubem Fonseca, como leitura obrigatória, a primeira pergunta que me fiz foi como bateria nos estudantes dessa nova geração, o quanto atual estava a obra. E foi um fenômeno. Os alunos liam e comentavam muito. Mesmo sendo machista, politicamente incorreto e violento, o livro de contos os tocava acho no que havia de mais cruel na natureza humana. Começando pelo conto que dá nome ao livro, em que vemos um assalto a uma festa de família do ponto de vista dos assaltantes, o que é assustador, pois todas aquelas ideias que temos sobre como agir nessas horas vão resultar no oposto que esperamos. Acompanhar um pai de família, gente de bem, em Passeio Noturno, que sai para relaxar atropelando pessoas com seu carro novo, o segurança de uma boate que, ao perceber que perderia o emprego no primeiro dia, destrói tudo, em Botando pra Quebrar, até o humor ímpar de Fonseca em Corações Solitários, tudo pareceu novo como escrita recente, apesar de a obra ser de 1975. Acho que isso se deve muito ao ritmo frenético de narração, tanto nos contos como nos romances. Para quem quer se iniciar nas obras dele, sempre recomendo Agosto, romance de de 1990, em que a ficção se intercala com a História daquele mês no ano de 1954. E como se interessam também os alunos quando ficam sabendo sobre Vastas Emoções e Pensamentos Imperfeitos, romance de 1988. Rubem Fonseca é tudo, menos monótono, e sim, comprovadamente segue causando impacto semelhante ao da época em que as obras foram publicadas".
Flávio Azevedo, professor de Literatura do Grupo de Professores Mottola, formado pela UFRGS.

 

"Rubem Fonseca faz parte da rara linhagem de escritores que, mais do que ser lido, precisa ser sentido. Sua prosa é visceral e aguda como uma faca depois que penetra a carne de alguém e passa a se revolver no interior do corpo alheio, explorando caminhos até então intactos e que subitamente tomam consciência da sua mortalidade. Isto explica a sua excelência no gênero do conto, o melhor espaço para exercitar a arte do corte abrupto, da costura sutil e dos pontos bem marcados. É possível sentir a pulsação por baixo de cada linha, dando-nos a sensação de que, a qualquer momento, a tensão crescerá até o ponto da ruptura. Comparo a obra de Rubem Fonseca aos quadros de Francis Bacon: a carnalidade está toda ali, exposta para quem quiser ver, um convite para mergulhar naquilo que o ser humano tem de mais abjeto e, simultaneamente, mais glorioso".
Gustavo Melo Czekster, escritor

 

"Como nenhum outro escritor brasileiro, Rubem Fonseca captou e encapsulou em suas ficções a violência das grandes metrópoles do país (sintetizadas no Rio de Janeiro) após o exuberante, avassalador e desigual processo de modernização vivido pelo país entre as décadas de 50 e 70. Mas reduzi-lo a condição de cronista profético da brutalidade de nossa vida social é minimizar a importância de outros elementos essenciais de sua obra.. Há em muitos de seus protagonistas tal desamparo e vulnerabilidade  diante de uma cidade marcada pela desintegração dos antigos padrões éticos,  pela ferocidade das relações pessoais e pela solidão que só resta aos mesmos  evocar um remoto passado de afetos perdidos ou entregar-se desbragadamente a um erotismo que tenta encobrir o absurdo da existência.  Além disso, existe uma forma singular de apresentação desses relatos: o autor domina todas as espécies de conto, do tradicional ao de vanguarda e vale-se de uma linguagem de notável despojamento, preferindo com freqüência a narrativa em primeira pessoa, cuja linguagem de vívida oralidade é sempre adequada a condição sociocultural de cada narrador".
Sergius Gonzaga, coordenador de Literatura e Humanidades da Secretaria Municipal de Cultura

 


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