FiliGram fala da cor e do racismo na literatura brasileira
No 2º dia do Festival Internacional Literário de Gramado, o destaque foi a mesa reunindo Taiasmin Ohnmacht e Paulo Scott, com mediação de Ronald Augusto
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Todos os dias ao acordar o escritor ou o leitor branco poderiam pensar na cor e no racismo na literatura brasileira, não poderiam se omitir, mas também precisariam e precisam falar disso a partir do ponto de vista da branquitude, do privilégio, deixando o lugar de fala aos escritores, intelectuais e pensadores negros. Para tratar com mais profundidade esta questão, a mesa “A Importância de Falar da Cor e do Racismo na Literatura Brasileira”, reunindo a psicanalista e escritora Taiasmin Ohnmacht e o escritor e professor universitário Paulo Scott, com mediação do poeta e crítico Ronald Augusto, foi o destaque do segundo dia da 1ª edição do Festival Intercional Literário de Gramado, no final da tarde de sábado, na Serra gaúcha. O FiliGram está sendo realizado até 11 de setembro, no Lago Joaquina Rita Bier, em Gramado, com mais de 100 autores e 150 atividades presenciais gratuitas.
Taiasmin foi uma das primeiras a dar voz ao verbo alertar de forma transitiva direta. “Na minha bolha, se fala tanto que há democracia racial, mas para escamotear que a gente tem um conflito racial. Isto é tão sério que destina a parte preta da população à morte. Os brancos passam por isso isentos, como se não tivessem a ver com isso. É fundamental que os brancos se impliquem nisso, porque se parte da população morre e não há nenhuma comoção, é porque há uma autorização para que assim seja”. Nesta reflexão, a psicanalista foi direto ao ponto nevrálgico das questões ligadas ao negro na vida e por conseguinte com a ação da literatura para conscientizar, alertar, denunciar, expor, lutar e todos os outros verbos de resistência e virada de chave.
O mediador Ronald Augusto refletiu sobre a questão levantada por Taiasmin de como é se sentir uma pessoa branca na condição de privilégio. “Toda a pessoa branca tem quatro vezes mais chances numa batida policial de sair viva. De cada cinco pessoa, um branco se safa e quatro pessoas negras são capturadas e morrem. Como é para um escritor branco falar sobre este privilégio que ele tem de não morrer numa batida policial, fazer um texto sobre os brancos se beneficiando com o racismo”.
Paulo Scott contou uma história de um artista plástico e produtor de eventos que estava com sua turma e foi pegar um ator de novelas negro para leva-lo a um evento. “Aí alguém da turma resolveu fumar um baseado e o ator imediatamente disse: acho bom vocês apagarem isto, porque a gente está na estrada, se a polícia nos parar quem vai pagar por este momento de lazer de vocês sou eu”, lembrou Scott. O autor lembrou que o seu livro mais bem-sucedido, “Marrom e Amarelo” não acabou para muitos leitores brancos que o encontram em eventos literários ou não. “Eu nunca ouvi que o livro não acaba de leitores negros. Em eventos com psicanalistas, eu disse que não escrevi ‘Marrom e Amarelo’ para leitores brancos. Não estou sendo agressivo. As pessoas que choraram com o livro são pessoas negras. Eu não acredito em literatura engajada e sim em leitura engajada. Por isso é que eu adoro poesia, porque o leitor precisa se esforçar, movimenta roldanas e correntinhas na cabeça. Não é de graça que a elite sabe que os seus filhos precisam conhecer poesia, ópera, filosofia, pois serão melhores no futuro”.
Taiasmin, autora do romance “Vozes de Retratos Íntimos” (Editora Taverna) acrescentou que gosta muito de romances como “Marrom e Amarelo”, de Scott, porque não foge à complexidade do tema que estava sendo discutido na mesa. Para fechar a mesa, Ronald Augusto repetiu o discurso feito na entrevista coletiva de apresentação do FiliGram. “Como disse o Paulo Scott, a literatura negra está explicando o Brasil. As grandes editoras estão publicando os autores negros. Eu quero que isto continue, mas eu não quero que estas grandes absorvam os autores negros e que as editoras pequenas que fazem um trabalho de três décadas ou mais sucumbam. Precisamos que pequenas editoras como a Malé, Oguns Toques, Nandyala e a gaúcha Figura de Linguagem sigam fortes, tenham subsídios, apoios de todos, incentivos e possam seguir no mercado. Não quero que as grandes editoras varram os pequenos selos”, alertou Ronald ao final da mesa.
A primeira edição do Filigram e 25ª Feira do Livro de Gramado segue na tarde deste domingo nas tendas montadas junto ao Lago Joaquina Rita Bier, com intensa programação. Destacamos três mesas interessantes para conferir. A primeira será às 15h, um painel online com o inglês Michael Bashkar no Auditório, com tradução simultânea. Às 16h45min ocorre o debate “Curadoria de Eventos Literários”, no Ateliê do eixo Mercatto, que reunirá representantes da Jornada Literária de Passo Fundo, Feira do Livro de Porto Alegre e FestiPoa Literária: Miguel Rettenmaier, Ana Paula Cecato, Fernando Ramos e Sonia Zanchetta. Às 18h, no Auditório, acontece a mesa “África e Brasil - saberes femininos”, com Futhi Ntshingila (África do Sul), Ana dos Santos e Carolina Panta. Mais sobre o FiliGram no site www.filigram.com.br.
PROGRAMAÇÃO DO DOMINGO
14H
WORKSHOP: INVENTAR PARA FABULAR
(Oficina) - Cabana FiliGram
Workshop de Escrita e Literatura INVENTAR PRA FABULAR, com Bel Porazza (3h)
14H
PAINEL REVISTAS LITERÁRIAS
(Mercatto) - Ateliê
Painel Revistas Literárias, com Carolina Panta, André Santos e Doralino Souza
14H
CLUBE DE LEITURA INFANTIL
(Polaroid Brasil/DigiKids) - Auditório
Clube de Leitura Infantil, com Kiusam de Oliveira: "Com qual penteado eu vou", "O Black Power de Akin" e "Tayó em Quadrinhos"
15H
PAINEL SOBRE O COMITÊ EM FRENTE MULHER RS
(Polaroid Brasil) - Miniauditório
Painel sobre o Comitê Em Frente Mulher RS: como o Estado está mobilizado contra a violência doméstica. Com Giovana Fopp e Paola Pinent
15H15
POESIA NA RODA/LANÇAMENTO DE LIVROS
(Campi) - Ateliê
Poesia na roda/Lançamento de livros de Ronald Augusto
15H30
PAINEL ONLINE SOBRE CURADORIA: MICHAEL BHASKAR (UK)
(Mercatto) - Auditório
Painel online sobre Curadoria: Michael Bhaskar (UK) - com tradução simultânea
16H
CAIXA LAMBE-LAMBE O PEQUENO PRÍNCIPE, COM DAIENE CLIQUET ARTES
(Digiteen/DigiKids) - Brizoleta
Caixa lambe-lambe O Pequeno Príncipe, com Daiene Cliquet Artes
16H45
AJURIS APRESENTA: DEBATE A LITERATURA FICCIONAL NO UNIVERSO JURÍDICO
(Polaroid Brasil) - Auditório
Debate: A literatura ficcional no universo jurídico, com Pedro Pacífico (Bookster) e Marcia Kern (Ajuris)
16H45
DEBATE: CURADORIA DE EVENTOS LITERÁRIOS
(Mercatto) - Ateliê
Debate: curadoria de eventos literários, com Miguel Rettenmaier, Ana Paula Cecato, Fernando Ramos e Sonia Zanchetta
17H
MESA: INCLUSÃO E EQUIDADE, VETORES PARA LITERATURA ACESSÍVEL
(Campi) - Miniauditório
Mesa: Inclusão e Equidade, vetores para literatura acessível, com Celia Sousa (Portugal),Naiara Silveira Lacerda e Carina Alves
18H
MESA: ÁFRICA E BRASIL - SABERES FEMININOS
(Orgânico) - Auditório
Mesa: África e Brasil - saberes femininos, com Futhi Ntshingila (África do Sul),Ana dos Santos e Carolina Panta
18H30
MESA: CINEMA, SÉRIES, HQS E CULTURA POP
(Digiteen) - Ateliê
Mesa: Cinema, séries, HQs e cultura pop, com Laluña Machado e Dani Marino
19H45
SHOW - ESPETÁCULO SOPAPORIKI
(Show) - Auditório
Espetáculo Sopaporiki – Richard Serraria.