Germana tem as chaves da casa cor-de-rosa

Germana tem as chaves da casa cor-de-rosa

Nova diretora da CCMQ abre as portas do antigo hotel e mostra onde a arte encontra a cidade

Caroline Guarnieri *

Com formação em arquitetura e urbanismo, Germana acredita que o patrimônio da cidade deve ser vivo e dinâmico

publicidade

Germana Konrath não escondia sua origem de arquiteta. A primeira curiosidade que ela me contou, quando me recebeu na Casa de Cultura Mario Quintana (CCMQ) para a nossa conversa, foi que a ala administrativa é a única que mantém a configuração original do Hotel Majestic, mesmo depois das reformas. Do jeito que o poeta conheceu.

Mario Quintana, nascido em Alegrete em 1906 mas apaixonado por Porto Alegre, morou no antigo hotel de 1968 a 1980. O escritor publicou mais de 20 livros, sem contar as antologias, e atingiu o posto de um dos maiores ícones da literatura brasileira. Como jornalista, trabalhou no Correio do Povo entre 1953 e 1984, quando o jornal foi descontinuado por um período de dois anos. Ele escrevia para o Caderno de Sábado e também para a coluna Caderno H.

O Hotel Majestic começou a ser construído ainda em 1916, com projeto original do arquiteto teuto-brasileiro Theodor Wiederspahn. Em 1980, depois de um longo período de crise pela concorrência com novos hotéis, foi comprado pelo Banrisul. O prédio foi adquirido pelo governo em 1982 e arrolado como patrimônio histórico no ano seguinte.

A transformação para Casa de Cultura desenvolveu-se de 1987 a 1990, com a revitalização de cerca de 12.000 m2. O espaço abriga atividades culturais voltadas ao cinema, à música, às artes visuais, à dança e à literatura desde então. A ala administrativa fica no segundo andar do Prédio Alfândega, à direita do Memorial Theodor Wiederspahn.

A entrada da área praticamente intacta há mais de 30 anos dava a um longo e estreito corredor abarrotado de portas do que antes eram quartos de hóspedes do Centro. Agora, cada sala hospeda uma parte da equipe que mantém a Casa viva e pulsante. A da diretora da CCMQ, agora ocupada por Germana, era a última à esquerda. Uma foto de Quintana tirada em 1985, com o poeta apoiado no parapeito da passarela sobre a Travessa dos Cataventos, estava pendurada ao lado da mesa da gestora.

Esse escritório, porém, era diferente. Na CCMQ, Germana pode ser criativa e focar nas partes da arquitetura e do urbanismo que ela mais ama. Acostumada com o meio artístico, ela passou por seis edições consecutivas da Bienal do Mercosul a partir da quarta edição, além de voltar para dividir a produção executiva com André Severo na 13° edição. Ela também foi gestora cultural na Fundação Iberê Camargo, entre 2014 e 2017. 

Sua criatividade não cabia nos moldes dos tradicionais escritórios de arquitetura, onde trabalhou por menos de seis meses durante a faculdade, até perceber que não se encaixava. O projeto da sua carreira é a arte; e a planta é a cidade. É nisso que Germana acredita. 

“Eu sempre tentei trazer esse diálogo entre arte e arquitetura”, explica, ao contar sobre o mestrado que fez em urbanismo, buscando investigar a presença da arte contemporânea no espaço público urbano. “Eu não acho que seja um diálogo forçado, parte dos artistas são arquitetos ou vice versa. A integração entre os dois mundos é muito fluida”, define. Hoje, faz doutorado na mesma área.

Germana: "Eu gostaria que a Casa fosse um espaço de educação cidadã, em que as pessoas se sintam acolhidas" | Foto: Ricardo Giusti / CP

 

O convite para ocupar o posto de direção da CCMQ veio de forma inesperada. Em poucos dias de conversa com a secretária de Cultura Beatriz Araujo, ficou decidido que seria Germana a próxima a receber as chaves da casa cor-de-rosa da Rua da Praia – e seus quase 33 anos de história. 

O centro cultural abriga alguns dos principais núcleos artísticos da cidade e do estado. Os institutos Iecine, IEAVi, Ieacen e IEM têm sede na Casa, além do MAC, do CDE, da Discoteca Pública Natho Henn e do programa RS Criativo. Cada um desses possui sua própria direção, e Germana é a responsável por garantir que tudo esteja em ordem.

A defesa de um patrimônio vivo e dinâmico é a base do trabalho da diretora. Ela acredita que a arte não deve estar isolada da população. “Aqui na Casa de Cultura eu gostaria de trabalhar a partir de uma ideia de processos que devem ser conhecidos, de patrimônio imaterial que deve ser valorizado”, conta. “Não criar espaços de cristalização de memória ou de ‘museificação’ da cidade”. 

Ao invés de isolar uma área da cidade, por exemplo, a arquiteta pensa que a população precisa seguir a vida habitando o patrimônio, em contato com ele, de forma orgânica. Ela dá parte do crédito por esse pensamento ao intercâmbio que fez para Óstia, próxima a Roma, quando tinha 17 anos. “Quando tudo é patrimônio, em algum momento a gente pensa que precisa só seguir a vida”, confessa. E o patrimônio da CCMQ está no centro da cidade, faz parte da rota diária de milhares de pessoas.

Acessibilidade e inclusão

Entre os planos de Germana para a CCMQ está a acessibilidade, que devia ir “para além de uma tradução da experiência”. Grande parte do conteúdo exposto nas mostras é percebido pelo público de forma visual, e a nova gestão quer expandir as opções para contemplar outros sentidos, como tato, olfato e audição. “Queremos que a experiência estética possa ser vivida em primeira pessoa, e não como uma versão”, pontua. Ela aponta que existem quadros com audiodescrição, por exemplo, mas que ainda assim a maioria das obras prioriza a visão. “É claro que isso é importante, mas é um segundo momento. A gente quer ter ativações para diversos públicos que não sejam a partir de um único sentido.”

Ela explica que não pretende ser curadora. Deseja que cada vez mais artistas possam mostrar o que têm para falar. Um exemplo disso é o edital feito em janeiro, alusivo ao mês da visibilidade trans, em que dez artistas trans foram selecionados para expor suas obras ao longo do ano, que não precisam ser necessariamente ligadas à temática identitária. 

Germana frisa que às vezes não é apenas sobre sermos quem somos, a exemplo das mulheres da Casa que ocupam espaços de liderança. “Estar aqui é muito importante nesse sentido de afirmação dessa representatividade, mas eu não gostaria de precisar falar sobre ser mulher quando for falar de gestão”, conta. “Sendo mulher, eu tenho outra maneira de pensar e de ver, mas isso não necessariamente vai se refletir em algo temático sobre ser mulher”.

“Eu gostaria que a Casa fosse um espaço de educação cidadã, em que as pessoas se sintam acolhidas”, explica. Da mesma forma que a arte guiou sua vida, Germana acredita que pode fazer muito pelas pessoas. “Não existe algo fora da cultura. A arte não é perfumaria, não é decorativa”, define. “A experiência estética é algo político no sentido de ser simbólico, metafórico, poético, subjetivo”. No mundo em que somos constantemente alimentados de referências e inspirações, a arte ocupa esse lugar de acontecimento.

Mostras na CCMQ

  • “Fitas Amarradas no Ventilador para Traçar o Vento”

Exposição coletiva com curadoria de Marina Feldens.

  • “Tensão Superficial”

Exposição individual de Vado Vergara.

  • “Arpilleras: Bordando a resistência”

Exposição coletiva com trabalhos das mulheres integrantes do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).

  • “Tetas que deram de mamar ao mundo”

Programa Acervo em Foco - MACRS. Realização MACRS em parceria com CCMQ. Obra de Lídia Lisbôa.

  • “Entre Linhas”

Ocupação do Espaço Vitrine CCMQ + RS Criativo, com curadoria de Carolina Grippa. Realização CCMQ e RS Criativo.

  • “Projeto Espaço-Experimento”

Terra úmida em chão de asfalto. Curadoria de Pamela Zorn e Vitória Morlin.

Editais da CCMQ

  • Edital de ocupação do Espaço Vitrine CCMQ + RS Criativo

O edital destina-se a pessoas jurídicas: artistas, artesãos, designers e outros criadores cuja produção possa ser exibida e/ou comercializada no espaço localizado no andar térreo da CCMQ. Serão aceitas propostas individuais e coletivas. 
Inscrições abertas de 20/03 a 20/04.

  • Chamada Aberta para artistas trans

10 artistas trans foram selecionados para realizarem seus projetos culturais ao longo de 2023 na CCMQ. A iniciativa foi alusiva ao mês da visibilidade trans, que acontece em janeiro. Os resultados foram divulgados no dia 6 de março.

* Sob supervisão de Luiz Gonzaga Lopes


Mais Lidas

Guia de Programação: a grade dos canais da TV aberta desta terça-feira, dia 23 de abril de 2024

As informações são repassadas pelas emissoras de televisão e podem sofrer alteração sem aviso prévio

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895