Juliano Salgado: “'O Sal da Terra' traz esperança ao mundo"

Juliano Salgado: “'O Sal da Terra' traz esperança ao mundo"

Ao lado de Win Wenders, diretor fala sobre o documentário que narra a história do pai e é um dos fortes concorrentes ao Oscar

Júlia Endress

As filmagens exaltam a preocupação ambiental do fotógrafo

publicidade

Admiração, orgulho e respeito são as três principais palavras que descrevem “O Sal da Terra”. Com um tom emocionado, o documentário poderia ser uma simples homenagem de um filho para seu pai, mas vai muito além ao retratar um ser humano que até então era pouco compreendido, ironicamente, pelo herdeiro de seu legado. “Todo mundo pensa que é um filme sobre o fotógrafo, mas, na verdade, é sobre alguém que descobriu o mundo, presenciou duras realidades, tocou pessoas, lutou pelos direitos humanos e acabou se transformando em função disso”, relata o franco-brasileiro Juliano Salgado, que é um dos diretores do longa que revela um outro lado de seu pai, o premiado e reconhecido fotógrafo Sebastião Salgado.

Em 100 minutos, a obra apresenta as histórias por trás do trabalho de Tião (para os íntimos), que passou os últimos 40 anos viajando pelos pontos mais remotos do mundo, registrando a natureza e as pessoas que conhecia com uma sensibilidade ímpar. Para Juliano, essa sensibilidade, aliada ao papel do pai como defensor ambiental, é a grande marca do longa, que está disputando o prêmio máximo do cinema na categoria documentário com “Citizenfor”, “Finding Vivian Maier”, “Last days in Vietnam” e “Virunga”.

Juliano vê a indicação como um caminho que foi sendo traçado naturalmente desde o Festival de Berlim do ano passado, quando o filme ganhou o prêmio especial do júri na seção “Um Certo Olhar” e arrancou aplausos de um público que fez questão de reverenciá-lo de pé. “Foi algo louco, mas quando ele foi pra Hollywood acabou se criando toda uma atmosfera de Oscar ao redor dele. E a gente quer ganhar, é claro, mas, sem dúvida, o mais importante é saber que o nosso personagem já está recebendo tanta atenção e que as pessoas estão o conhecendo e reconhecendo além do lado profissional”, garante, salientando ainda que, apesar de ser uma produção francesa, o longa é brasileiro de coração.

Além desse DNA humano, Juliano acredita que “O Sal da Terra” também se destaca por transmitir uma mensagem positiva e renovadora dos recursos naturais. “Acho que o filme traz a esperança na vida, especialmente nesse momento tão negativo que estamos vivendo. O Sebastião aprendeu a ver o mundo de uma forma muito bonita e otimista, e acredito que essa mensagem comove a todos que assistem”. O diretor confessa, inclusive, que foi uma das pessoas atingidas pela história e que conheceu melhor o pai durante as filmagens. Para ele, o fato de ter crescido vendo Sebastião se ausentar muito em função do trabalho, tornou a relação dos dois complicada. “Eu tinha vontade de contar a história dele além da fotografia e mostrar como ele se reinventou após passar pelas coberturas de guerra, presenciar as mazelas da fome e diversos momentos de tensão, mas não podia fazer isso sozinho porque, como filho, tinha sentimentos em relação a ele que me impediam de conversar sobre certas coisas que eram necessárias para viabilizar o projeto”, revela.

A solução veio com uma aproximação com o premiado cineasta alemão Win Wenders, outro admirador da trajetória do fotógrafo. “Além de ser um cara muito talentoso, o Win foi o parceiro ideal porque tinha uma visão neutra do Sebastião e conseguiu explorar tudo que é tipo de assunto com ele, realizando uma série de entrevistas que tornaram a ideia viável e com o tom que buscávamos”, diz. Dessa forma, ficou a cargo do filho filmar o pai em diversos locais, como Papua Nova Guiné, Amazônia, Minas Gerais e até em uma ilha isolada no Ártico. Combinadas a essas cenas que foram captadas, os diretores criaram o documentário utilizando também registros antigos de momentos familiares. Para chegar a um resultado que fizesse jus a toda a trajetória de Sebastião Salgado, eles passaram mais de um ano e meio dividindo a sala de edição em Berlim, onde Juliano está morando agora, para construir “O Sal da Terra”.

Entre pai e filho

O trabalho, porém, começou ainda em 2009, com uma ida ao Pará em uma época na qual pai e filho pareciam amigos distantes. “A nossa relação começou a mudar ali, mas não por passarmos mais tempo juntos, e sim por termos percebido, através das imagens das câmeras, como víamos um ao outro”, revela. Conforme Juliano, os primeiros registros fizeram o pai se emocionar com a forma como o filho o via e o estava retratando. “Isso me deu confiança para ir em frente, porque por mais que eu conhecesse o seu trabalho na ponta dos dedos, eu não sabia desse lado tão humano dele”.

Depois das gravações, Juliano afirma que passou a ver a história daquele que ele mesmo chama de Sebastião de maneira mais completa. “Não o vejo mais apenas com o meu pai e com os problemas pessoais que tinha como filho. Pude observá-lo de fora, como personagem de um filme mesmo, e hoje compreendo as duras experiências que ele teve, o quanto ele aprendeu com a vida e como teve que encontrar um equilíbrio pessoal para conviver com tudo isso”. Segundo ele, o fotógrafo presenciou situações tão duras em Ruanda, nos anos 90, que foi afetado a ponto de não conseguir tirar mais fotos por um bom tempo. A transformação veio com uma maior imersão à natureza.

Foi mais ou menos nessa época que Sebastião e a esposa, Lélia, criaram o Instituto Terra, que ganha espaço em “O Sal da Terra”, mostrando a força do casal para reflorestar uma área de floresta tropical. “Essa história começa na fazenda do meu avô, que estava com solo totalmente seco, sem nada de água. Então, meus pais disseram que iam reflorestar a selva e passaram a plantar árvores. Hoje o lugar é outro”, relata.

Juliano também revela os novos planos do projeto e não tem medo de afirmar que o documentário, mesmo não ganhando o Oscar, chegará aos cinemas do Brasil, no dia 26 de março, merecendo ser visto e trazendo confiança de que situações como a severa crise da áqua pelo qual o país passa podem ser solucionadas. “O Sebastião e a Lélia transformaram uma região acreditando que é possível fazer algo pela terra a longo prazo, para que as futuras gerações possam viver um amanhã melhor. E é muito importante transmitir o exemplo deles, mostrar que é preciso apostar nas possibilidades e ter vontade de mudar o mundo. Isso prova que é possível, sim, modificarmos essa situação”, reflete.



O Oscar 2015 será neste domingo, com minuto a minuto do Correio do Povo, a partir das 22h. Assista ao trailer de Sal da Terra:


Mais Lidas

Guia de Programação: a grade dos canais da TV aberta desta quarta-feira, dia 1 de maio de 2024

As informações são repassadas pelas emissoras de televisão e podem sofrer alteração sem aviso prévio

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895