Luto de Lya Luft é revivido por Denise Del Vecchio no monólogo 'O Lado Fatal'

Luto de Lya Luft é revivido por Denise Del Vecchio no monólogo 'O Lado Fatal'

O monólogo, em cartaz em São Paulo, destaca o comportamento de uma mulher destruída e inconformada com a perda do ser amado

AE

A atriz Denise Del Vecchio traz a escrita e a vida de Lya Luft para o teatro

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Aos 72 anos, a atriz Denise Del Vecchio atualiza o comportamento de uma mulher da década de 1980 que largou a estabilidade de um casamento e os três filhos para viver uma paixão. O monólogo "O Lado Fatal", adaptação e direção de Darson Ribeiro para o livro homônimo de Lya Luft (1938-2021), publicado em 1988, traz uma rara manifestação confessional da escritora gaúcha. A montagem, que estreou nesta quinta-feira,  dia 10, no Sesc Belenzinho, ressignifica o desejo em uma sociedade machista que pouco mudou, mas pode ter avançado diante da aceitação de uma figura feminina madura que se permite um novo amor.

Casada com o professor e linguista Celso Pedro Luft (1921-1995), Lya rompeu a união de mais de duas décadas, deixou Porto Alegre e foi morar com o psicanalista mineiro Hélio Pellegrino (1924-1988) no Rio de Janeiro. A autora tinha 47 anos, o que hoje pode parecer corriqueiro para uma separação, mas, na época, causou certo escândalo na capital gaúcha. Pellegrino morreu três anos depois, derrotado por problemas cardíacos, e Lya, na tentativa de enfrentar o luto, lançou a obra repleta de poemas reflexivos que abrem frestas sobre sua intimidade e a tragédia do próprio destino.

Em meio às discussões sobre etarismo, Denise reconhece que sua idade amplia o sentido da dramaturgia. Afinal, o que está sendo contado é um fato recente, logo a personagem da peça teria vivido aquele turbilhão depois dos 60 anos - tal atitude continua transgressora mesmo nos dias atuais.

Mais do que isso, no entanto, a artista reforça o desabafo de uma pessoa destruída e inconformada com a perda do ser amado. "Lya se desvenda no texto, uma mulher de origem alemã, dona de um extremo autocontrole, que cria um distanciamento, olha a dor e a raiva pelo lado de fora", diz a atriz, que interpretou a intensa poeta portuguesa Florbela Espanca (1894-1930) em outro solo, em 1991, dirigida por Cibele Forjaz. "Sou uma apaixonada pela literatura e esse trabalho é meu reencontro com a palavra."

Sutileza ao retratar sensualidade e dor

Darson Ribeiro ressalta a entrega da protagonista e sua disponibilidade para ressaltar sutilmente uma possível sensualidade na personagem madura. "Em uma cena, Denise puxa o vestido, mostra as pernas e, em outra, estabelece um jogo com a plateia, solta uma palavra e faz o público imaginar que isso a colocaria na cama com o Hélio", afirma o diretor.

No palco, essa mulher está em uma sessão de terapia com um psicanalista invisível (representado pela voz em off do ator José Rubens Chachá) - o que seria uma homenagem a Pellegrino. Ribeiro teve a adaptação aprovada por Lya meses antes de sua morte, aos 83 anos, vítima de um câncer, em Porto Alegre. Ela voltou à cidade logo depois do luto e, inclusive, se reconciliou com o primeiro marido. "Lya só pediu para trocar uma palavra em todo o texto, amante por amado", diz.

Imersão na obra

A escritora e o diretor se conheceram durante um festival de teatro na capital gaúcha, em 2010. A simpatia foi mútua, houve uma troca de telefones e Ribeiro, que, até então, só conhecia Perdas e Ganhos, o grande sucesso editorial da autora, correu atrás da sua obra com crescente interesse. Encontrou <i>O Lado Fatal</i> em um sebo e se encantou com o potencial dramatúrgico daquele texto. O livro tinha sido levado aos palcos uma única vez, em 1996, interpretado por Beatriz Segall (1926-2018), e, por muito tempo, permaneceu esquecido, fora de circulação, sendo relançado pela Record em 2011.

Denise também correu atrás de outros títulos da obra de Lya. Tinha O Silêncio dos Amantes (2008) como um dos preferidos, mas, às vésperas da estreia, devorou um de seus primeiros romances, "O Quarto Fechado" (1984). "Não seria a mesma coisa fazer a peça sem lê-lo", observa. A temporada no Sesc Belenzinho reverbera sua infância e adolescência.

Denise foi criada na zona leste e morava na Rua Padre Adelino, onde fica a unidade do Sesc e, entre 1934 e 1980, funcionou a tecelagem Moinho Santista. "Passava todos dos dias na frente para ir à escola, mas é impressionante como tudo em São Paulo se torna irreconhecível", comenta.

Seu pai era ourives e sua mãe confeccionava sapatos em casa. "Venho de uma família idealista e levei isso ao teatro, por isso valorizo o que interpreto", afirma. "Só faria um texto que não me encantasse se precisasse de dinheiro para matar a fome."

"O Lado Fatal" está em cartaz no Sesc Belenzinho, em São Paulo, até dia 27 de agosto. 


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