Mergulho nas profundezas poéticas de Mar Becker

Mergulho nas profundezas poéticas de Mar Becker

Escritora gaúcha fala de seus encontros com a poesia, obras, prêmios e a participação no novo projeto do Canal Arte 1

Leticia Pasuch *

Mar Becker durante a gravação de ‘Música e Poesia’, novo projeto do Canal Arte 1 que estreia no segundo semestre deste ano

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porque tantos amaram o encontro
ama tu a despedida

porque tantos vieram por terra
vem tu como se ao mar[...]

Mar Becker, com nome de batismo de Marceli Andresa Becker, tem uma escrita que naufraga no íntimo. Autora de dois livros, “Mulher Submersa” (2020) e ‘Sal’ (2022), a passo-fundense radicada em São Paulo se consolida como uma voz ascendente na literatura contemporânea brasileira. No segundo semestre deste ano, ela será uma das sete poetas homenageadas no projeto "Música e Poesia", que estreia no Canal Arte 1.

O contato inicial de Mar com a escrita foi concomitante com a experiência da leitura de poesias, iniciada aos 13 anos através de livros didáticos e do que encontrava na escola e na biblioteca municipal onde morava, perpassando Cruz e Souza a Augusto dos Anjos. “Comecei a escrever aquilo que nem sei se dá pra chamar de poesia”, diz ela – e até hoje essa indefinição segue pairando, já que escreve outros gêneros também.

Inspirações

Na dramaturgia, Oscar Wilde atravessou a fase adolescente e adulta de Mar. Das leituras mais marcantes da sua vida, ela destaca o romance "O Retrato de Dorian Grey", do mesmo autor, a escrita lúgubre de "Os outros Eus", de Fernando Pessoa, e o encanto com Clarice Lispector, como “Perto do Coração Selvagem” e “A maçã no escuro”.

Contrariando a correnteza da popularidade de Fernando Pessoa, seu grande encontro na poesia portuguesa foi com Herberto Helder – há uma Mar antes de conhecer o poeta português e outra depois. “[Conhecê-lo] mudou completamente a minha forma de encarar a escrita poética e o verso livre”, diz. “Ele me trouxe um mundo novo com uma dimensão onírica que flerta com o sonho e com o delírio de uma forma que eu nunca tinha visto até então”. A partir dele, a poeta descobriu uma tradição de outros autores que se aproximavam da escrita, abrindo o leque para diversos universos literários.

Dos nomes que encontrou no início do percurso como escritora, Mar crê que hoje ainda carrega muito de Clarice, com uma escrita que se entranha e lança luz sobre os pontos cegos de si, inclusive o vazio. "Essa digressão para dentro de si, que vai para o fluxo de consciência, é uma herança clariceana que eu trago desde a adolescência e provavelmente vai seguir comigo", diz.

A presença da Filosofia, sua formação na Universidade de Passo Fundo, na composição dos versos acompanhou Mar antes mesmo da sua entrada no curso, quando encontrou a filosofia da linguagem e um modo de encarar a comunicação. Também, a descoberta da física da ontologia, com os questionamentos sobre o ser. “A experiência da sombra, do espanto que se encontra e que são fundantes da filosofia são experiências poéticas para mim, e eu levo dentro do meus poemas”, diz. Essa reflexão é possível encontrar em “A Mulher Submersa”, com uma sessão denominada “breve ontologia doméstica”.

Como Helder, que escreveu o verso "Leitor: eu sou lento" em “para o leitor ler de/vagar”, Mar tem o seu processo de escrita longo e pausado, e valoriza o tempo entre as suas ideias. "É muito raro que eu tenha uma espécie de delírio de inspiração e saia no jogo escrevendo, e o poema de súbito se torna e pronto. De modo geral, eu tenho como flashes que vêm, que surgem, relances, ideias, uma ou outra palavra do universo que me assalta de repente, que me persegue, e eu tomo nota desses fragmentos", descreve.

"Ela [a escrita] é lenta porque eu procuro muito chegar a forma do poema que apresente determinado arranjo de cena, de tema, o que for, mas eu tento conciliar esse desejo com a forma que aquela cena é melhor de apresentar", complementa. Não à toa, Mar recebeu o convite para lançar sua primeira obra em 2012, mas aguardou, publicando apenas oito anos depois.

Com o livro de estreia, “A Mulher Submersa” (ed. Urutau, 2020), Mar foi uma das cinco finalistas no Prêmio Jabuti na categoria Poesia e ganhou o Prêmio Minuano de Literatura, ambos em 2021. A escritora acredita que, por ter cultivado um público ao longo dos anos com a publicação dos seus poemas, teve uma "vantagem" na largada desse livro, pois os leitores aguardavam o lançamento há bastante tempo. “Eu publiquei e ele já foi imediatamente lido, houve retornos e tive muito feedback de leitores que estavam esperando há tempos, e que até reclamavam: ‘quando vais publicar?’ Por que está demorando tanto?’ Então, tudo isso foi uma vantagem, e eu acho que impulsionou e abriu o caminho para chegada nesses lugares”, diz a premiada escritora.

Em sua segunda obra publicada, “Sal” (ed. Assirio e Alvim, 2022), Mar apresenta poemas que evocam referências à família e à infância vivida em Passo Fundo, perpassando a lembrança e a imaginação, como conta. "Esse país de nome ‘infância’ arde em meu texto como uma espécie de eternidade; ou seja, não está ‘lá atrás’, não é lembrança parada, mas se ergue, toma o arranjo dos assombros - e das paixões, dos terrores também - que vivo agora e que continuarei vivendo”. Este ano, a autora lançou "Canção Derruída", livro que reúne alguns poemas publicados em ‘A Mulher Submersa’ e ‘Sal’, criando uma nova estrutura para os versos escritos. Para Mar, é um projeto contínuo.

Mar Becker é natural de Passso Fundo. Foto: Arquivo Pessoal / Divulgação / CP

Música e poesia

Mar pôde revisitar sua trajetória profissional também durante as gravações do documentário “Música e Poesia”, com lançamento no segundo semestre, em que a poeta participa junto com outras seis: Alice Sant'Anna, Conceição Evaristo, Elisa Lucinda, Mel Duarte e Ryane Leão. Com curadoria de Heloísa Buarque de Hollanda e direção de Isis Mello, a série aborda o fazer artístico das poetas, com um ambiente sonoro. “Achei muito bonito esse encontro com a poesia, e a poesia feita por mulheres, porque apesar da gente já ter conquistado muito espaço, ainda assim a gente percebe que não é tanto quanto deveria ser”.

O público pode esperar da série um panorama da trajetória das escritoras desde o seu princípio. Mas Mar espera algo a mais: quer que a história das poetas sirva de incentivo para mulheres que escrevem e que sonham em seguir no ofício. “Acho que não tem nada que me comova mais, me mobilize mais do que perceber que o encontro com a minha escrita levou alguém a escrever, a uma outra mulher escrevendo”.

Mar acredita que a representatividade feminina na literatura contemporânea tem caminhado bem. “Acho fundamental ocuparmos os espaços. As finais do [prêmio] Jabuti em romance no ano passado e em poesia no ano retrasado – esta última, na qual estive – foram compostas por mulheres. Num sentido amplo, isso deixa a ver que fazemos excelente literatura, os espaços merecidamente têm sido conquistados e ocupados”, analisa.

Confira a entrevista com a escritora Mar Becker

* Sob supervisão do editor Luiz Gonzaga Lopes


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