Na linha de frente, estudantes ajudam público a refletir na Bienal

Na linha de frente, estudantes ajudam público a refletir na Bienal

Grupo formado por 80 universitários está distribuído em todos os locais das mostras

Eric Raupp

Ana Carolina fala sobre as curiosidades da peça "Família", feita com sangue

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A arte, em um primeiro momento, pode parecer complexa, e os visitantes da Bienal do Mercosul menos habituados a esse universo talvez se sintam desnorteados ao se depararem com algumas obras. É aí que se insere o trabalho dos chamados “dialogantes” do maior festival artístico da América Latina. Identificados pelo avental característico de pintores, eles auxiliam na reflexão sobre as peças e incitam o pensamento e o debate acerca das produções, que estão sendo exibidas em Porto Alegre até o dia 6 de dezembro.

Para que esse objetivo seja cumprido com excelência, os jovens dialogantes – 80 no total, todos universitários – foram selecionados pelo Programa Educativo da Fundação Bienal e participaram do Curso de Formação de Mediadores, com duração de três meses. Na oportunidade, tiveram aulas sobre diferentes períodos artísticos, desde a pré-história até o modernismo, e palestras com professores nacionais e internacionais, incluindo o curador do setor educativo da Bienal, o chileno Cristian Gallegos.

O estudante de Licenciatura em Música Dimitrius Machado, 23 anos, faz parte do grupo. Ele acredita que a experiência de lidar com o público e saber passar as informações de forma didática e correta é importante para a formação como professor. “A Bienal é conhecida mundialmente pelo seu viés pedagógico, então, conseguir passar o conhecimento para as pessoas é fundamental nas mostras”, conta.

Refletir sim, dar resposta, não

Nada decoradinho com resposta na ponta da língua. Esse é o lema do grupo. Eles reforçam que não estão lá para dizer o que cada trabalho representa, mas sim, construir com o visitante um significado com o qual este possa se identificar. Por isso que definições como “guia” são rejeitadas, já que o objetivo não é entregar “mastigado” uma resposta, mas provocar em cada dúvida, uma nova descoberta.

Com um perfil multicultural, a equipe é composta por futuros profissionais de diferentes áreas, até mesmo a comunicação. É o caso de Ana Carolina Aguiar, 21 anos, que estuda jornalismo. A jovem prefere chamar a função dos monitores de “célula viva”. “Todos nós somos responsáveis por alimentar uma parte e de aumentar esse conhecimento. O que uma pessoa me diz, vou repassar para a próxima, criando uma rede”, argumenta.

Para Laura Gruber, 21 anos, uma das dialogantes e estudante de História da Arte, as pessoas criam barreiras que as impedem de compreender as obras. “É um assunto no qual as pessoas têm muita dificuldade, porque não produz um conhecimento direto, então elas acham que não entendem. Queremos criar e despertar reflexões diferentes”, avalia.

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As dificuldades na compreensão dos trabalhos começa muitas vezes pelo nome das exposições. Dimitrius, que trabalha no MARGS, onde está em cartaz “Modernismo em Paralaxe”, já perdeu as contas de quantas vezes explicou o significado de “paralaxe”. “Todo mundo pergunta. É uma palavra que traz a ideia de diferentes pontos de referência sobre um mesmo objetivo, ou seja, a interpretação que cada pessoa tem”, explica. Dentro do museu, “O Porco”, que traz um suíno empalhado e engradado em uma gaiola de madeira, é outro que desperta questionamentos.“O propósito do Nelson Leirner [artista] é justamente fazer refletir do porquê dessa peça ser arte”.

E muitas dessas instalações carregam uma bagagem densa por trás. A instalação “Stellar”, exposta no Memorial do Estado, levanta uma série de questionamentos. Composta por uma grande tela preta com vários espaços em branco e pedras, o trabalho é fruto de mais de três anos de investigação do artista Giancarlo Scaglia em uma ilha desabitada que foi palco de um dos mais sangrentos massacres entre as forças do governo do Peru e o grupo terrorista Sandero Luminoso. As paredes da prisão serviram de molde para a tela: os espaços em branco são as marcas de tiro e as pedras no chão são pedaços estilhaçados de concreto retirados das celas.

No Santander Cultural, onde a Ana está alocada, a peça “Família” gera discussões acaloradas. A pintura foi feita com sangue de familiares da artista Carlos Castro Arias e as estampas são uma reprodução das paredes da casa onde Arias passou a infância. “É interessante como um trabalho desses se relaciona com a nossa realidade de debate sobre a família tradicional, de estar ligado pelo sangue”, analisa. A estudante de jornalismo recorda a indignação de uma menina ao ver o trabalho, pois fora criada pela tia, uma vez que o pai estava morto e e a mãe, presa. “É muito importante mostrar para as crianças que a arte faz parte do dia a dia delas”.

Interação dita o tom 

Conversar com pessoas de diferentes perfis e conhecer suas histórias é a maior recompensa de ser um dialogante, acredita Dimitrius. “Já conversei com pessoas mais velhas e até professores me perguntaram algumas coisas. Nessas conversas, eu aprendi mais do que eles”, diz. Das ocasiões que marcaram os primeiros dias de Bienal, ele lembra de um casal de trabalhadores rurais que foi até a exposição e tinha uma visão diferente de todas as obras. Apesar da simplicidade, levaram questionamentos profundos ao estudante de música.

Inspirados por grandes nomes latino-americanos, alguns visitantes aproveitam a oportunidade para mostrar o trabalho que realizam: os dialogantes acabam se tornando o público e ganham fotos, pinturas e até mini esculturas. Quem gosta de dar presentes são as crianças, que levam produções feitas nas escolas. Mas a universitária Laura garante que as melhores recordações vindas dos pequenos não têm cor nem forma. “Toda vez que uma criança te dá um abraço antes de ir embora, tu ganhas o dia”, comenta orgulhosa.

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