"Nevermind" do Nirvana completa 25 anos

"Nevermind" do Nirvana completa 25 anos

Com 24 milhões de cópias vendidas, álbum é marco na história do rock

Carlos Corrêa

"Nevermind" do Nirvana completa 25 anos

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Algumas revoluções dependem de lutas e discursos políticos. Para outras, bastam graúdas doses de entusiasmo juvenil e visceralidade em meio a riffs poderosos e guitarras distorcidas. Kurt Cobain começou a sua pedindo para o público carregar as armas e trazer os amigos, para logo em seguida falar de albinos, libido e mosquitos. Fazia todo o sentido e não fazia nenhum sentido. E foi assim que, em 24 de setembro de 1991, o Nirvana - que além de Cobain como guitarrista e vocalista, tinha Kris Novoselic no baixo e Dave Grohl na bateria - lançou Nevermind e o mundo da música foi virado de cabeça para baixo pelo rock pela última vez desde então.

Nem Nevermind era o primeiro álbum do Nirvana nem a banda era a única representante da cena grunge, que entrou para a história com uma sonoridade pesada e direta, com muita distorção de guitarra e batidas fortes. O grupo, na verdade, sequer era de Seattle, o grande epicentro da revolução que estava por vir. Mas mesmo que rejeitasse a todo custo o papel de líder de um movimento, Cobain nada pôde fazer quando Smells Like Teen Spirit chegou às rádios e, principalmente, à MTV. Não houve quem controlasse uma geração de adolescentes que se identificou de imediato com canções que tratavam de temas como isolamento, alienação social e apatia com uma urgência e ansiedade nunca vistas.

“Foi animal. Lembro até hoje de pensar: ‘Agora chegou a nossa turma’. Olhando em retrospecto, vejo que foi a primeira expressão cultural que a minha geração pôde se apropriar. Tinha uma característica bem clara de som alto, bem sujo, gritado, barulhento”, afirma Gustavo “Mini” Bittencourt, guitarrista e vocalista da Walverdes, banda gaúcha criada no início dos anos 1990 e que traz justamente o Nirvana como uma de suas referências.

À época do lançamento, a gravadora adotou como parâmetro de expectativa de vendas o disco lançado pelo Sonic Youth um ano antes. Como Goo havia vendido 100 mil cópias, se o Nirvana vendesse 50 mil já estaria bom. Nevermind, no entanto, vendeu 24 milhões e desbancou Michael Jackson do topo da parada da Billboard no início de 1992. Tome o fato de que no ano passado Adele não alcançou 15 milhões com o disco 21 e Taylor Swift não bateu na casa dos 5 milhões com 1989 e temos uma ideia do fenômeno que foi. “A música não tem mais importância porque hoje ela é dada de graça, enquanto nos anos 90 ela teve talvez o auge do seu valor. Era importante para todo mundo. Então, esse foi o último grande movimento do rock quando a música ainda era importante”, observa o jornalista Marcelo Ferla.

Ainda que acredite que a cena grunge não tenha sido a última grande revolução do rock, Mini lembra que o contexto ao longo destas mais de duas décadas foi mudando e que a própria importância do rock foi ficando mais escassa. “O rock perdeu relevância como código cultural dominante da juventude. Antes, era a coisa mais importante, e não é mais. Têm outras coisas, tem o pop, a cultura digital, os games. O rock antes era onde o fio virava e agora não é mais.”

Em termos musicais, há espaço para contestar a originalidade, visto que elementos tanto do punk, do hardcore e mesmo de um rock mais clássico estavam presentes na sonoridade que surgia em Seattle. Por que então o mundo da música foi pego de surpresa? Para Ferla, a novidade estava em colocar na mesma pista bandas como Sex Pistols e Led Zeppelin. As versões, contudo, são muitas. “Como sou cozinheira, posso tentar explicar isso assim: todos os ingredientes estão lá: Pixies, Melvins, Sonic Youth, Meat Puppets, Beatles. Você sente o sabor de cada um, harmoniosamente. Mas o Nirvana é uma receita nova, deliciosa. Saca?”, explica a musicista, produtora e educadora musical Liege Milk. “Não é porque era uma banda direta, com guitarra, baixo e bateria, que eles não tinham qualidade. O Cobain era um artista diferenciado. Não há uma faixa ruim no disco”, completa o músico Frank Jorge.

Como todo fenômeno, há mais complexidade do que atribuir apenas à música o efeito que o grunge teve no início dos anos 1990. Ferla considera, por exemplo, que a indústria fonográfica estava tão consolidada e onipresente que havia espaço para o surgimento de bandas que contestassem justamente esse papel mercadológico – e que ainda assim fossem cooptadas por essa mesma indústria, ainda que sem abandonar seus ideais. Neste sentido, talvez a imagem mais icônica seja a capa da revista norte-americana Rolling Stone com o Nirvana, na qual Kurt Cobain vestia uma camiseta escrito “Revistas corporativas são um saco”.

Na mesma linha, a atitude do grupo – e de todos da cena grunge – também foi essencial para ter atingido tamanha amplitude. A lógica do “faça você mesmo” abriu espaço para que novas bandas surgissem, resgatando um ar de simplicidade do rock e mostrando que estava ao alcance de qualquer um. Afinal, era mais fácil para um jovem se identificar com alguém de camiseta larga e All Star no palco do que com um Michael Jackson ou um Guns’N’Roses e toda a produção que isso representava. “O cara tocava no show com a roupa que ele ia no colégio. Rompia com essa glamourização do pop que se vivia na época”, aponta Fabrício Silveira, professor e pesquisador de música no programa de pós-graduação da Unisinos.

Como um bom disco de rock que se torna clássico, Nevermind tem suas canções tocadas aqui e ali até hoje, em filmes, na televisão e, principalmente em shows. “Todo lugar que a gente ia tocar, tinha alguém com a camisa preta do Nirvana. Até hoje tem isso, sabe? A gente vai em um lugar e tem um guri de 16 anos com a camiseta do Nirvana”, revela Mini. Para Silveira, a presença das músicas da banda ainda é tão presente que é difícil perceber a passagem do tempo. “É estranho pensar que se passaram já 25 anos. Nestes 25 anos me parece que o Nirvana ainda está muito presente. Nos lugares, nas festas, na música que a gente ainda ouve, nas bandas novas que tocam Nirvana. Vejo muita gurizada que não tinha nem nascido quando lançou esse disco mantendo vivo esse legado. Acho que o grande legado é uma certa verdade artística. O último registro de um artista que não é tão industrialmente projetado. Tanto que o próprio Cobain não tinha controle. Era tão espontâneo que fugiu do controle dele próprio”, lembra Silveira, referindo-se à morte, por suicídio, de Cobain, em 1994, o que fez com que se tornasse o primeiro mártir da geração MTV.

Mas e se, em um exercício de imaginação, Kurt Cobain tivesse um destino diferente naquele 5 de abril de 1994? O Nirvana ainda seria relevante, mesmo em um cenário no qual o grunge se faz presente muito mais em referências do que como uma cena forte como nos anos 90? A própria banda teria sabido lidar com tantas mudanças que o mundo presenciou nestas duas décadas? Para Silveira, Cobain poderia ter se tornado um artista como Bob Dylan ou Neil Young. Já Mini acredita que o Nirvana foi brilhante nos seus sete anos e que isso é o que mais interessa, ideia compartilhada por Ferla, que não via um futuro muito diferente para o líder do grupo. “Acho que a banda teria acabado. O Cobain foi um típico cara que tinha que fazer as coisas e fez. Não consigo imaginar ele um músico velho. Consigo imaginar o Renato Russo, o Lennon, até o Jimi Hendrix fazendo algumas experimentações. Mas não vejo uma ideia de longevidade no Cobain”, arrisca Ferla.

Fato é que, em um cenário musical atual tão pasteurizado e com poucos grupos que unem capacidade de se arriscar com amplitude de público tão grande, os 25 anos de Nevermind servem para nos lembrar a falta que faz uma banda como o Nirvana. “Sinto falta dessa espontaneidade e urgência na música de hoje. Vejo respingos disso em tudo, na música independente ainda. O independente, o underground é o que de mais verdadeiro ainda tem”, afirma Liege. Resta torcer para que, como há 25 anos, o mundo da música seja pego de surpresa. O quanto antes.

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