Ney Gastal e a volta do Caderno de Sábado em 2014

Ney Gastal e a volta do Caderno de Sábado em 2014

O editor do CS, Luiz Gonzaga Lopes, resgata um depoimento do jornalista morto nesta segunda-feira, sobre o suplemento cultural em 1º de março daquele ano

Luiz Gonzaga Lopes

Ney Gastal escrevia principalmente sobre música e cinema e foi colaborador e editor do Caderno de Sábado nos anos 1970 e início dos 80

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A volta do Caderno de Sábado - referência nacional em suplementos culturais e literários dos anos 1960 e 70, com 646 edições de 30 de setembro de 1967 até 10 de janeiro de 1981 - foi comemorada por todos desde a redação do Correio do Povo até a comunidade cultural, escritores, atores, cineastas, diretores, poetas, críticos de arte, artistas plásticos, fotógrafos, músicos, acadêmicos, professores. A primeira matéria especial deste número 1 da volta do Caderno foi com aqueles que fizeram a sua história. Ao contrário dos anos 60 e 70, quando Paulo Fontoura Gastal, Oswaldo Goidanich, Antônio Hohlfeldt e Ney Gastal concediam um grande espaço para a publicação de artigos, ensaios, entrevistas, no momento atual o suplemento ampliou o espaço, mas ainda está no formato de oito páginas. O blog Livros A+ publica na íntegra os depoimentos e entrevistas com alguns daqueles que fizeram a história do Caderno de Sábado e também com aqueles que homenagearam o artista Glenio Bianchetti na capa do suplemento publicado no sábado, dia 1º de março de 2014, no Correio do Povo. Começamos com o depoimento de Ney Gastal, filho do primeiro editor do Caderno, P.F. Gastal, e que foi colaborador com artigos de todos os gêneros, muitos deles sobre música e também editor nos anos 70:

 

GÊNESE DO CADERNO:

O Caderno de Sábado teve uma gestação de mais de um ano. Não teve uma data de concepção muito definida. Era uma ideia que Oswaldo Goidanish e Paulo Fontoura Gastal  ( o "Goida" e o "Gastal"), anos depois já não sabiam dizer quando nasceu, mas que eles tomaram coragem para lançar em 1966, num dos tradicionais jantares do Festival de Coros. Decididos, saíram da Churrasquita direto para a redação do Correio do Povo. Lá, entraram no gabinete do Dr.Breno Caldas (ambos só se referiam a ele como "Dr.") e propuseram que o jornal transformasse a página literária em um caderno literário. É fácil imaginar o entusiasmo de ambos e o desinteresse solícito do diretor do jornal, que respondeu com um simples "boa ideia, vou pensar, depois falo com vocês". E por muito tempo não voltou ao assunto.Gastal e Goida remoeram a frustração por meses, até que em meados de setembro do ano seguinte (os dois contavam o fato da mesma forma) encontraram-se os três no corredor de acesso à redação e o diretor avisou: "Lembram do suplemento? Começa a sair neste sábado. Já determinei que as oficinas estejam preparadas. Podem fazer". Era uma terça-feira, e eles não tinham nada. Foram três dias trepidantes. Goida criou o planejamento gráfico e Gastal foi em busca de artigos "de gaveta" da página literária. Enquanto faziam isto, conversavam sobre o orientação editorial. E, no meio do período, resolveram mudar o nome do caderno de "Literário", pois já haviam muitos destes no Brasil, para "de Sábado", já que sairia aos sábados. E no dia 30 de setembro de 1967 finalmente o primeiro número chegou às bancas, fruto de uma gestação demorada mas de um parto de emergência.

 

TEMAS:

No início o caderno era apenas "literário", mas não custou muito para virar "cultural". É curioso recordar a rapidez com que o caderno, com seus textos longos em letras pequenas, caiu no gosto do público. Muita gente o colecionava. Certa vez, anos depois, Goida chegava de uma viagem, no aeroporto, numa tarde de sábado, e pediu ao motorista do taxi que o conduzisse diretamente à Caldas Júnior. Tinha comprado o Correião na banca, desencartou o Caderno para dar uma olhada e o motorista perguntou: "O senhor trabalha lá no jornal"? Ele respondeu que sim, sem dar detalhes, e o motorista emendou: "Este Caderno é muito bom. Estou guardando todos para meu filho ler quando for maior e estiver se preparando para o vestibular". Aí Goida se interessou e perguntou: "Quantos anos tem seu filho?" Sem desviar os olhos da rua o motorista respondeu: "Cinco. Mas tenho todos os cadernos que saíram desde que minha mulher engravidou". Goida contava que chorou até chegar ao jornal.

 

A VOLTA:

Sua volta é uma aventura tão grande, ou maior, que seu lançamento. Vivemos uma época onde as pessoas não cultivam muito o hábito da leitura de textos profundos em jornal. Mas é uma aposta bonita, onde pode estar a gênese de um retorno a este tipo de leitura. Mas dificilmente alguém deve esperar um "retorno" do Caderno, e sim um novo Caderno. No antigo, todo o espaço era dedicado ao conteúdo. Dr. Breno havia decidido que ele seria uma contribuição puramente cultural à comunidade, e não permitia a presença de publicidade em suas páginas. Nos dias de hoje, em meio à crise, acredito que isto será quase impossível. Mas vamos ver.

 

FATO MARCANTE:

Me marcou muito a publicação de uma longa entrevista (quatro páginas centrais, quase um caderno dentro do caderno) que fiz em Curitiba com Lúcio Rangel, um dos maiores pesquisadores que música popular brasileira já teve. Ele estava velhinho e estávamos lá (em Curitiba) para o 1º Encontro de Pesquisadores da MPB. Lúcio não gostava muito de dar entrevistas e se esquivava de qualquer um que pretendesse tirar dele mais que algumas declarações rápidas. Um dia estávamos conversando em um dos coquetéis e ele, espontaneamente, perguntou: "Estás com teu gravador aí? Vamos transformar este papo numa boa entrevista". Foram duas horas de gravação, e durante muito tempo ele dizia, em outras entrevistas, ter sido aquela a que mais gostava em muitos anos. Voltei e assumi um dos períodos de editoria do Caderno. Não tive dúvidas. Dei quatro páginas para a entrevista. Na semana seguinte, ao passar por mim no corredor da redação, Dr. Breno sapecou. "Menos música, mais literatura, pelo menos no Caderno. Mas a entrevista estava muito boa". Uma no cravo, outra na ferradura. Cultivei o elogio e esqueci da bronca, que, afinal, era bem sutil...


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