O tempo e a memória para Taiasmin Ohnmacht

O tempo e a memória para Taiasmin Ohnmacht

A premiada escritora dialoga com o afrofuturismo em sua nova obra “Uma chance de continuarmos assim”

Leticia Pasuch *

A escritora, psicóloga e psicanalista Taiasmin Ohnmacht explora o futuro de forma especulativa em seu novo romance publicado pela editora Diadorim

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Após o sucesso com a obra “Vozes de Retratos Íntimos” (Taverna, 2021), a escritora, psicóloga e psicanalista Taiasmin Ohnmacht lançou seu romance “Uma chance de continuarmos assim”, pela editora Diadorim, na última quinta-feira, 29. A novidade que chega às estantes trata de questões raciais por meio da ficção científica e especulativa. Com maior presença hegemônica, o gênero literário teve seu atravessamento prosperado com a escritora afro-americana Octavia Estelle Butler (1947 - 2006). A autora da obra "Kindred - Laços de Sangue" é uma das maiores referências do afrofuturismo – movimento cultural e filosófico cunhado nos anos 90 que une elementos da ficção científica e distopia com a diáspora africana, buscando reflexões sobre o passado.

Com a narrativa fundamentada em Butler e trazendo o afrofuturismo para a realidade do sul do Brasil, o livro, escrito em primeira pessoa, conta a história de Paula e Marcela, duas estudantes de uma universidade pública que desenvolvem um dispositivo capaz de viajar no tempo. As personagens, sabendo do histórico racista da humanidade, não cogitam a hipótese de retornar ao passado. O futuro é o destino, com utopias e fragmentos imprecisos à sua frente. “Boa parte dessa história foi escrita durante a pandemia, então é uma história que trabalha com duas perspectivas de futuro, uma utópica e outra distópica”, relata Taiasmin. Em meio às angústias causadas pelo período pandêmico, a autora visualizava uma perspectiva de futuro em que houvesse outras formas de sociabilidade. “É aí que eu vou fazer um movimento que a gente chama de Sankofa, que é olhar para trás, para tradições que foram deixadas às margens nas nossas escolhas de sociedade como uma uma saída ou uma outra construção de algo novo – novo e não tão novo, né? Nesse sentido, uma utopia”.

Sankofa, nome dado à máquina do tempo, tem um importante simbolismo na trajetória pessoal e profissional de Taiasmin. De sanko – que significa voltar – e fa – buscar ou trazer, o conceito vem de um provérbio tradicional entre os povos da língua acã, da África Ocidental, em que se recorda os erros do passado para que não sejam cometidos novamente no futuro. As lembranças são, então, uma forma de adquirir sabedoria. Com o símbolo de um pássaro que voa reto olhando para trás, é preciso seguir em frente, mas não se esquecendo do que passou.

Na edição do livro, estão os nomes de María Elena Morán, Flávio Ilha, Jeferson Tenório e João Nunes Junior. A obra iniciou como um folhetim, produzido por Taiasmin a convite da Revista Parêntese, através da escritora Natália Protásio, com o contrato inicial de capítulos com três páginas. “Resolvi me colocar em um super desafio. Eu nunca tinha feito um folhetim, e quando fiz, resolvo que seja uma ficção científica, que eu também nunca tinha escrito”. 

A escritora

Para Taiasmin, há uma diferença entre escrever e publicar. Apesar de estar rodeada de livros desde a infância e começar a escrever cedo, não se imaginava como uma escritora de fato. Para ela, era algo “inacessível”: os escritores “eram como pessoas iluminadas”, define. Suas primeiras inspirações eram Franz Kafka e Stephen King. Porém, tardou para que conhecesse referências de autores negros na sua trajetória. “Naquela época, eu lia poucos autores nacionais e muita coisa estrangeira, e quando entra a literatura negra é que eu começo a ler mais coisas nacionais. E então começo justamente com Conceição Evaristo e Carolina Maria de Jesus”, conta.

Sua dissertação de mestrado em psicanálise, “Do laço social ao corpoema: enlaces entre negritude e psicanálise”, foi produzida no Sopapo Poético, sarau de poesia negra que acontece em Porto Alegre. Os aprendizados no espaço a auxiliou para a escrita da obra “Vozes de Retratos Íntimos”, produzida quase ao mesmo tempo. Através da sua profissão, acredita que extrai traços presentes em seu consultório para sua narrativa, como a memória, o dito e o não dito. “A memória tem sido um grande tema para mim, tanto em ‘Vozes de Retratos Íntimos’ quanto em uma chance de continuarmos assim”, diz. No caso da segunda obra, ela lembra da personagem principal Paula, que faz uma travessia íntima e subjetiva. “Eu gosto muito do insólito. Acho que não explorei muito até hoje na minha escrita, mas é o que eu tenho vontade de explorar muito mais. Para esse livro, ‘Uma Chance de continuarmos assim’, em alguns trechos isso está colocado, mas eu gosto muito do que desconcerta, do que angustia, daquilo que que provoca o leitor nesse sentido”.

Apesar de reconhecer que está realizando o movimento em direção à prosa, Taiasmin frisa que não escreve para um gênero específico. “Não posso dizer que uma hora eu não vá publicar um livro de poesia”, declara. “No momento, tem dado muito mais prazer escrever prosa, e ainda tem muita história que eu quero contar.”

Reconhecimento

Com “Vozes de Retratos Íntimos”, Taiasmin venceu como melhor Narrativa Longa dos prêmios AGES e Açorianos de Literatura, além de ter sido finalista nos prêmios Jabuti, São Paulo de Literatura e Academia Rio-grandense de Letras. Para a escritora, o maior impacto foi fazer com que seu nome chegasse mais longe. “O reconhecimento foi de ser uma escritora, de poder estar nesse lugar, porque a gente vai tentando estar, a gente vai cavando alguns espaços, mas os prêmios eles dão um impulso que nada mais dá”, diz, “É fundamental para mim que pretendo escrever, então, nesse entrelaçamento racializador, que pretende colocar nas minhas histórias elementos racializadores”.

Ao visualizar a atual representatividade negra na literatura gaúcha, a autora diz sentir falta de encontrar outras prosadoras mulheres negras. “Se a gente pegar os prosadores gaúchos e fizer o recorte de gênero, já tem poucas mulheres. Se fizer o recorte de gênero e raça, menos ainda”. Para Taiasmin, as histórias têm que ser contadas de muitas visões. “Nós, negros, não temos uma história única entre nós também. Existem muitas formas de ver o mundo e muitas histórias diversas entre a comunidade negra. Nós não somos uma massa unificada, e acho que essa diversidade tem que aparecer também na prosa”.

Vislumbrando o futuro, deseja que seja cada vez mais reconhecida a poesia negra pulsante. “Não tem nada de sermos especiais e inalcançáveis, e é importante sim mostrar a minha cara preta, como a gente diz. E que é possível ser escritora, é possível ser escritora mulher, é possível ser escritora mulher negra”.

Confira abaixo a entrevista com a escritora:

* Sob supervisão de Luiz Gonzaga Lopes


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