O turista que aprende com o outro por Beatriz Sarlo e Alexandra Coelho

O turista que aprende com o outro por Beatriz Sarlo e Alexandra Coelho

Crítica argentina e jornalista portuguesa falaram de suas experiências na manhã deste sábado na Flip

Luiz Gonzaga Lopes

Paula Scarpin, Beatriz Sarlo e Alexandra Lucas Coelho na mesa Turistas Aprendizes

publicidade

"Estas notas de diário são sínteses absurdas, apenas pra uso pessoal, jogadas num anuariozinho de bolso, me dado no Lóide Brasileiro, que só tem cinco linhas pra cada dia. As literatices são jogadas noutro caderninho em branco, em papéis de cartas, costas de contas, margens de jornais, qualquer coisa serve."
"O Turista Aprendiz", de Mário de Andrade

Um turista deve sempre estar disposto a entender a outra cultura, prestar atenção no outro, ter a alteridade como sua companheira. Com esta frase que talvez nem seja original, podemos resumir o que foi a mesa "Turistas Aprendizes", na manhã deste sábado na Tenda dos Autores da 13ª Festa Internacional Literária de Paraty (Flip), com a crítica e escritora argentina Beatriz Sarlo e a jornalista e escritora portuguesa Alexandra Lucas Coelho, mediadas por Paula Scarpin, da revista Piauí. O norte da mesa foram os dois livros das autoras, o e-book "Viagens - da Amazônia às Malvinas", de Beatriz (e-galaxia) e "Vai, Brasil", de Alexandra (Tinta da China). Para dar início à conferência, as autoras leram inicialmente trechos das obras.

A preparação para as viagens e o inusitado foram o tema que deu início à discussão para os aprendizes da plateia. Beatriz disse que ela não se preparou para esta primeira viagem pelo Brasil em 1970, que tinha como destino Brasília, pois feita com um grupo que tinha espírito livre, revolucionário, marcado pela ideologia. "Para as viagens deste livro, eu fui preparada pela minha família, pelos imigrantes espanhóis, sírio-libaneses, judeus, italianos, que vieram a Buenos Aires e à Argentina. Fomos preparados pelas viagens de outros, antecessores. Aprendi a cavalgar com um parente que foi soldado da 1ª Guerra. As minhas viagens foram construídas pelas viagens dos imigrantes. O Brasil era a meca estética do Modernismo, mas o livro comunica esta passagem da completa ignorância a uma espécie de pequeno conhecimento, pois já sabia quem era Oscar Niemeyer, mas Lucio Costa era um desconhecido", explicou Beatriz, de 73 anos.

• Do luto à letra: a história de Boris Fausto na Flip

Alexandra disse que se preparou toda a vida para vir ao Brasil e que já o conhecia por muitas referências da passagem da infância para a adolescência, mas principalmente pela música de João Gilberto (foi o primeiro vinil que ouviu quando criança), Caetano Veloso e Chico Buarque e pela literatura de Jorge Amado, Erico Verissimo, José Lins do Rego, Guimarães Rosa, entre outros. "O resultado foi que vim ao Brasil quando eu já tinha mais de 40 anos, em 2010, para cobrir a eleição de sucessão de Lula para o jornal Público. Talvez por já ser mais madura eu já estava liberta desta esquizofrenia da culpa ou da arrogância do colonizador português. A identidade de uma pessoa está sempre em movimento e no Brasil eu apreciei o sublime na monotonia, que Mário de Andrade descrevia em relação ao Amazonas e também convivi com a cobertura jornalística e a extrema violência do Rio de Janeiro, tema do livro que estou escrevendo atualmente", observou a jornalista portuguesa de 47 anos.

Entre tantos temas sobre turistas aprendizes, ambas falaram sobre a política e a polícia do Brasil. Beatriz lembrou que a chegada do PT ao poder na terceira eleição que disputava após uma persistência comparável a de François Miterrand, na França, parecia um momento de sonho para o maior país da América do Sul. "Lula tinha uma coisa que nós, os argentinos, somos afeitos que é um carisma. Você pode construir um político, um religioso, um intelectual, mas nunca dar-lhe carisma. Eu cumprimentei Lula uma vez e o carisma dele estava no toque, nos olhos. Não há sucessão para um carismático. Foi assim com Getúlio Vargas. Chavez era assim. Desde Allende, o Chile não tem líderes carismáticos. A diferença do Brasil e da Argentina é que na Argentina o vice-presidente é corrupto e continua no governo. No Brasil, há instituições como Ministério Público e Polícia Federal que conseguem colocar a mão direita do governo, o chefe da Casa Civil, José Dirceu, na cadeia. Estas instituições nos dão esperança de algo melhor no Brasil. Queríamos que este exemplo fosse seguido na Argentina".

Alexandra abordou a violência no Rio de Janeiro, principalmente após as jornadas de junho de 2013. "Um dos efeitos das jornadas foi recolocar a questão da polícia, que ainda insiste em ser militar. No Rio, vi armas que só vejo em zonas de guerra que cobri como Israel e Afeganistão e elas chegam ao morro pela banda podre da polícia. Entrevistei o Coronel Íbis, que é defensor da mudança do pensamento militar da polícia. Após a publicação da entrevista, ele foi afastado. Em 22 de março de 2013, o governo do Rio usou a sua força repressiva para tirar os índios de uma ocupação, a Aldeia Maracanã, junto ao Museu do Índio. Houve gás lacrimogênio, spray de pimenta, balas de borracha. Ora, são índios que já foram desalojados pelos portugueses desde o século 16. Podiam ter sido tratados com mais respeito", finalizou Alexandra.

Mais Lidas

Guia de Programação: a grade dos canais da TV aberta desta quarta-feira, dia 1 de maio de 2024

As informações são repassadas pelas emissoras de televisão e podem sofrer alteração sem aviso prévio

Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895