Por trás das páginas

Por trás das páginas

No Dia Nacional do Escritor, instituído há 61 anos, o +Domingo convidou os autores Ana dos Santos, Gustavo Czekster, Jeferson Tenório e José Falero para compartilharem os seus processos criativos e algumas questões pertinentes a este ofício

Carolina Santos*

Ana dos Santos (1), Jeferson Tenório (2), Gustavo Czekster (3) e José Falero (4) são representantes de uma geração nascida nas três últimas décadas do século XX

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Escrever é um ato de coragem. É preciso costurar palavras em um mar de ideias, produzir mesmo quando a inspiração não é suficiente, editar e revisar exaustivamente, entre tantos outros desafios que escritores enfrentam diariamente. Para leitores, o resultado desse esforço é companhia, é realidade com um toque de fantasia, um ingresso para um novo mundo. Seja qual for o gênero, as reflexões e emoções que são trazidas à tona ao ler, trazem-nos um alento em meio à confusão do dia a dia.

O Dia Nacional do Escritor nasceu após o 1º Festival do Escritor Brasileiro, em 1960, da União Brasileira de Escritores, que era presidida pelos escritores João Peregrino Júnior e Jorge Amado. O 25 de julho foi oficializado por portaria assinada pelo então ministro da Educação, Pedro Paulo Penido. É uma data que nos permite refletir sobre o trabalho das pessoas por trás das páginas de um livro. Para além de colocar em foco os grandes nomes já consagrados da literatura brasileira, temos que dar destaque para a nova geração de escritores, que inspira ao abordar temas como o racismo, o feminismo, a violência policial, a periferia e que inova nas formas narrativas.

A poetisa Ana dos Santos deve ser duplamente parabenizada, pois, além de escritora, engloba e dá voz às mulheres negras. O Dia Internacional da Mulher Negra Latino Americana e Caribenha também é comemorado neste domingo. Ana participou de diversas coletâneas e publicou três livros de poesia: "Poerotisa", "Pequenos Grandes Lábios Negros" e "Travessias de Amanaã", esse último escrito em conjunto com mais seis escritoras negras. Seu interesse em literatura foi despertado pela mãe, Iolanda, que a alfabetizou em casa e sempre lhe deu muitos livros infantis. "Quando minha avó Martina fez 80 anos, escrevi uma carta homenageando-a e li em voz alta na hora dos parabéns! Ali, todos impressionados, profetizaram que eu me tornaria uma escritora", conta.

O escritor Gustavo Czekster, autor de "O homem despedaçado", "Não há amanhã" e "A nota amarela", conta que sua atração pela literatura surgiu na infância a. Diz ele: "O interesse pela leitura veio desde muito antes de ler, quando eu via os livros da biblioteca dos meus pais e fi­cava pensando o que eles continham". Se, para alguns, o encanto pela leitura veio cedo, para outros ele tardou a despertar, como é o caso de Jeferson Tenório, autor de "O beijo na parede", "Estela sem Deus" e "O avesso da pele". Seu interesse foi surgindo aos poucos, quando entrou na faculdade de Letras. "Antes disso eu não me interessava por livros, eu gostava de escrever, mas não era um bom leitor", relata. Para José Falero, autor de "Vila Sapo" e "Os Supridores", a literatura se apresentou em forma de desafio aos 20 anos. "Minha irmã, um dia, disse uma coisa que me pegou: 'Tu nunca leste um livro, tu não podes dizer se é bom ou se é ruim, tu tens que ler um livro, senão tua opinião não importa muito, lê um livro inteiro e depois vem falar comigo"', conta Falero, que, após a provocação, foi atrás da leitura e se tornou um leitor voraz.

Atualmente, vemos uma virada no mercado editorial, com maior inclusão e diversidade de temas, principalmente no que tange à literatura negra. Jeferson aborda o racismo e a violência policial em "O avesso da pele". Ele acredita que esses temas precisam ganhar mais espaços. "É uma temática que começou a ser publicada faz pouco tempo. A gente tem poucos anos de publicação de autores negros, tem muita coisa que ainda precisa ser contada". Ele completa que é um caminho sem volta. "Começamos a ganhar uma maior visibilidade e não me parece que é só uma onda". Ana dos Santos reconhece o trabalho de muitas escritoras que abriram esse caminho, que pode ser trilhado por muitos outros autores negros: "Se hoje somos reconhecidas como escritoras ne­gras contemporâneas é porque Helena do Sul - escritora negra pelotense - não deixou a tinta coagular na caneta!".

INSPIRAÇÃO EM TUDO

Para os autores, na hora de escrever, a inspiração está em todos os lugares. Ana compartilha suas fon­tes de criatividade: "O que me impulsiona a escrever são coisas que me incomodam, coisas que me apaixonam, coisas que me encantam. Algumas pessoas para mim também são poesia, outras contos, tudo vira literatura". Gustavo lembra que foi percebendo que o elemento que o inspira é a observação: "O escritor é uma pessoa que observa a vida de forma mais detalhada e vê os detalhes que passam despercebidos para os outros. Assim, uma simples caminhada, assistir a um filme ou mesmo ver o movimento por uma janela já podem servir como inspiração quando se conjugam aquilo que é observado com as ideias e a imaginação soltas dentro de um escritor".

Falero concorda: "A inspiração ninguém sabe quando vem e de onde vem. Às vezes eu estou na rua e eu tenho uma epifania, vejo alguma coisa, acontece algo, e eu fico com muita vontade de escrever, muitas ideias, do nada". Jeferson reforça a importância de se respeitar o texto. "Me refiro a narrativas longas, como romances. Quando você atropela o tempo do texto, ele não te deixa ir adiante, então, você precisa parar e fazer outra coisa."

* Sob supervisão de Luiz G. Lopes


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