Quem foi Patricia Highsmith, controversa autora de livro que inspirou “Ripley”, da Netflix?

Quem foi Patricia Highsmith, controversa autora de livro que inspirou “Ripley”, da Netflix?

Nova adaptação da história levantou interesse pela literatura da escritora

Estadão Conteúdo

Escritora Patricia Highsmith (1921-1995) em um programa de TV em 1988

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Calculista, amoral e astuto, Tom Ripley é um dos personagens mais populares da literatura norte-americana. Criado por Patricia Highsmith (1921-1995), o vigarista apareceu pela primeira vez no livro O Talentoso Ripley, de 1955, que acaba de ganhar uma nova adaptação pela Netflix: a minissérie Ripley, na qual o charmoso trambiqueiro é vivido pelo ator irlandês Andrew Scott.

Na trama, Tom Ripley é um nova-iorquino que pratica pequenos golpes até ser contratado por um milionário para ir à Itália atrás de seu filho, Richard Greenleaf (Johnny Flynn), ou Dickie, e trazê-lo de volta aos Estados Unidos. Chegando na Europa, Ripley finge conhecer o rapaz enquanto se embrenha por um mundo recheado de luxo e beleza. Marge (Dakota Fanning), namorada de Dickie, suspeita das intenções de Tom. Ele, porém, sendo mestre na arte de mentir, não demora para conquistar a confiança do ricaço.

A nova produção aposta no formato seriado para dar maior vazão às ambiguidades do trapaceiro. O thriller já ganhou outras versões no passado, com destaque para os filmes O Sol por Testemunha, de 1960, e O Talentoso Ripley, de 1999, protagonizados por Alain Delon e Matt Damon, respectivamente.

O interesse do audiovisual em reviver o vigarista é facilmente justificado: na série de livros de Highsmith, que ganhou outros quatro volumes entre 1970 e 1991, as peripécias de Ripley levam o leitor a torcer pelo anti-herói, por mais nefastas sejam suas lorotas. A fórmula se repete em outras obras da autora que, ao narrar crimes, prefere a dimensão psicológica do que o simples mistério.

Quem foi Patricia Highsmith

A profundidade - por vezes sombria - de Tom Ripley, bem como de outras criações de Patricia Highsmith, vem da própria personalidade da americana, marcada por excentricidades e visões de mundo no mínimo controversas. Nascida no Texas, a autora morou parte de sua vida em Nova York e outra parte como expatriada na Europa. Ela começou a carreira como roteirista publicitária e escritora de quadrinhos e contos, mas logo ganhou notoriedade com seus livros, tornando-se um dos nomes mais prolíficos da literatura de suspense norte-americana.

Sua primeira obra foi Pacto Sinistro (Strangers on a Train), publicada em 1950. No ano seguinte, a trama ganhou uma adaptação hollywoodiana dirigida por Alfred Hitchcock.

'O mórbido, o cruel, o anormal me fascina', disse ela uma vez. De fato, suas histórias são centradas no lado obscuro humano: relacionamentos destrutivos, roubo de identidade, traição e assassinatos estão no centro de seus principais romances. Além de imaginar os mais funestos cenários, Highsmith emprestava suas obsessões, medos e desejos aos seus personagens, ao passo que examinava as profundezas da psique humana. Criou, assim, tramas consideradas repulsivas e irresistíveis.

A autora foi uma pessoa muito reservada e até solitária. Grande parte do que se sabe sobre sua vida íntima veio à tona com revelações de amigos e conhecidos, e, principalmente após sua morte, com a publicação de seus extensos diários, em 2021. Mesmo neles, não raro se autocensurava ao desabafar.

A americana teve uma infância traumática, marcada pela relação tóxica com a mãe. Esta adorava lhe contar sobre como tentou abortá-la durante a gravidez. Mais tarde, abandonou a filha com a avó por um ano, indo viver em outra cidade sem maiores explicações. Os ressentimentos familiares se estenderiam por toda a vida de Highsmith, aparecendo não somente em sua escrita particular como também na ficção.

Highsmith é descrita como uma mulher amarga, viciada em álcool e com manias esquisitas, como criar centenas de lesmas e carregá-las em sua bolsa. Tinha opiniões altamente contestáveis e guardava todo tipo de preconceito. Em seus diários, tecia comentários abertamente misóginos, racistas e antissemitas - ela com frequência dizia que o Holocausto não havia ido longe o suficiente. Por outro lado, pessoas que se relacionaram com a autora já a descreveram como uma pessoa romântica, em busca perpétua pelo amor. Em 2022, foi lançado o documentário Loving Highsmith, que traz depoimentos de alguns de seus Affairs.

A autora descrevia em seus diários relacionamentos conturbados (e até violentos) com diversas amantes. Ela tinha dificuldade em manter as pessoas em sua vida e sabotava relacionamentos. Ao longo da vida, Highsmith tentou lutar contra sua sexualidade como mulher lésbica, chegando até a frequentar terapia com o objetivo de 'curar' sua atração por mulheres.

Em 1952, ela publicou sob um pseudônimo o romance The Price of Salt, em que narra o encontro entre uma jovem vendedora e uma dona de casa infeliz, que acabam se envolvendo romanticamente. É o livro mais autobiográfico da autora, inspirado em um acontecimento real (na ocasião, ela teria ficado obcecada por tal mulher, rica e mais velha). Na época, rompeu padrões por dar um final feliz para um casal lésbico, algo raro naquele período.

O tom destoa do restante da obra de Highsmith, que só revelou sua autoria nos anos 1990, pouco antes de morrer, quando a trama foi republicada com novo título, Carol. O livro foi adaptado para o cinema por Todd Haynes em 2015, com Rooney Mara e Cate Blanchett.

Confira livros de Patricia Highsmith disponíveis no Brasil

O Talentoso Ripley (Intríseca; 322 páginas; R$ 79,00)

Em Águas Profundas (Intríseca; 336 páginas; R$ 64,71)

Ripley Subterrâneo (Intríseca; 365 páginas; R$ 31,90)

Carol (L± 312 páginas; R$ 49,90)

Os Gatos (L± 128 páginas; R$ 16,80)

O Livro das Feras (L± 268 páginas; R$ 32,77)

Um Jogo para os Vivos (L± 304 páginas; R$ 23,90)

O Tremor da Suspeita (Benvirá; 312 páginas; R$ 25,00)

Sem Saída (Benvirá; 326 páginas; R$ 42,99)

Este Doce Mal (Benvirá; 320 páginas; R$39,90)

Nada é o que Parece Ser (Benvirá; 632 páginas; R$ 80,00)

A Talentosa Highsmith, biografia por Joan Schenkar (Biblioteca Azul; 816 páginas; R$99,90)


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