“Ser entendido não é exatamente o meu objetivo”

“Ser entendido não é exatamente o meu objetivo”

Amarante fala sobre o novo disco que ele divulga na quarta-feira, em Porto Alegre

Correio do Povo

Amarante traz Cavalo pela segunda vez a Porto Alegre

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Há um ano, Rodrigo Amarante, que carrega na bagagem a contribuição fundamental em bandas como Los Hermanos, Orquestra Imperial e Little Joy, dava início à divulgação de seu primeiro trabalho solo. "Cavalo", então, veio à tona com a incumbência de colocar o cantor e compositor no seu devido lugar, no papel de protagonista de forma explícita em um disco totalmente autoral.

Após 12 meses de uma turnê que deu check in de Porto Alegre a Oslo, Amarante retorna a Capital, na próxima quarta-feira, para mostrar o amadurecimento do trabalho durante esse tempo. Amadurecimento esse, que ele também comentou generosamente nesta entrevista com a gente - e que você pode conferir logo abaixo.

Correio do Povo - Você já trabalhou com muitos artistas ao longo da carreira. No entanto, em “Cavalo”, fez praticamente tudo sozinho. Em que momento você sentiu essa necessidade?
Rodrigo Amarante - O que senti foi antes a oportunidade do que a necessidade. Acho que minha vida foi mesmo quase toda assim. Não planejava ser músico quando o Marcelo me chamou pro Los Hermanos ou ser cantor de samba quando entrei pra Orquestra, ou mais ainda morar nos EUA quando me chamou o Devendra pra ir pra lá. Quando houve tempo e espaço, eu vi que era a hora de tentar fazer um disco sozinho, ver o que seria não ter interlocutores, tomar todas as decisões sozinho e ver que tipo de música ia vingar. Pra ser mais preciso, foi quando eu vi que não ia dar tempo de terminar o segundo disco do Little Joy quando o Fabrizio teve que voltar pros Strokes pra gravar. O Devendra não estava fazendo muito show então eu, que já vinha escrevendo músicas em português e inglês sem saber o que fazer delas, vi que era a hora de ver no que isso ia dar.
CP - Uma das características de “Cavalo” é que você deixou o conceito do disco e das canções com lacunas, nada é entregue de bandeja. Após ter passado um ano do lançamento, você consegue avaliar a resposta do público e saber se ele tá entendendo o seu recado? Como?
RA - Isso de escrever com espaço, de falar da lacuna não é uma coisa nova na minha escrita, eu já vinha fazendo isso de alguma forma desde o princípio dos Hermanos. Ouvi do Carlos Drummond de Andrade ainda adolescente que a poesia era a arte de jogar fora adjetivos, algo assim, e entendi que a poesia precisava de espaço, que o verbo era mais o lugar da poesia que os adjetivos, e aquilo ficou na minha cabeça. Na época eu queria ser pintor e era apaixonado pelos japoneses do século 16 que influenciaram tanto Van Gogh e Gauguin e ali também tinha isso de preservar o espaço negativo, de ter sempre uma respiração, uma incompletude. Eu resolvi experimentar fazer isso com a escrita e continuo tentando achar o ponto. No “Cavalo”, como sou só eu escrevendo, isso ficou mais claro e eu pude trazer uma certa coerência pro conjunto, inclusive escrevendo sobre isso, sobre escrever assim, falar do não dito, desse espaço tanto com as palavras quanto com os arranjos. Agora, ser entendido não é exatamente o meu objetivo, porque os versos não são enigmas que têm uma resposta, há camadas e entendimentos diversos, o espaço não é pra ser preenchido com uma resposta correta, mas sim com a experiência e a vida de quem ouve. Serve pra, eventualmente, refletir a visão de quem olha, dar algo de volta que é particular do olhar de cada um. Mas há instâncias em que eu ouço alguém dizer alguma coisa muito precisa sobre uma música que eu realmente quis alcançar e isso é maravilhoso. Teve uma moça em Oslo que veio conversar comigo depois do show e me falou que o piano da música Cavalo parecia querer representar o tempo cíclico do sonho que é exatamente o que eu tinha na cabeça, algo como um mito de Sísifo musical, um momento que nem pra quem passa e aquilo foi genial, um prêmio. Mas não foi pra isso que escrevi a parte, é como uma cor que não há o que entender, é o que aquilo te faz sentir que vale. Então, a abertura não é exercício de ambiguidade, mas sim uma tentativa de criar esse espelho, reflexo do olhar mais que da imagem que se tem de si. Faço aberto pra que seja múltiplo, amplo, mas ainda assim, na cabeça de um ou de outro e com sorte, muito preciso.
CP - “Cavalo” foi disponibilizado na internet em seu lançamento e hoje estamos em um momento de readaptação do cenário musical, desde o boom do streaming até recentes estratégias de divulgação, como a do U2, por exemplo. O futuro da música será música de graça?
RA - Me parece que nós vivemos um período de transição que me lembra os primeiros dias da difusão da música no rádio quando não se poderia conceber que os músicos que gravaram aquelas músicas pudessem ser recompensados a cada difusão. Isso mudou e execuções púbicas viraram fonte de renda daqueles que produziram aquele conteúdo. O que acontece hoje é parecido porque o streaming é novo e não gera, praticamente, renda nenhuma pra quem escreveu e gravou aquelas músicas. Nesse nosso tempo, que é uma lambança de nojo publicitário em todas as instâncias da vida pública e onde a associação da arte com marcas quer parecer a única alternativa pra existência do artista, ainda uma coisa não mudou desde que comecei a escrever música: vivo eu e a maioria dos músicos da performance, é ela que paga o aluguel e as cordas do violão. Acho que vamos ver ainda muitas mudanças nos próximos anos, mas espero que sejam elas na direção oposta de ter que se associar a marcas, vender a palavra ruim pra pagar a boa.
CP - Quais os artistas que você está escutando atualmente? Tem algo novo que te influenciou?
RA - Ser influenciado é ser afetado, gostar, então eu sou influenciado por tudo além da música: filmes, livros, gente falando coisas interessantes e importantes, válidas. Há quem imagine que influências são a fonte de inspiração como se fosse um banco de ideias de onde se colhe material pra escrita. Pra mim isso tudo acontece de forma afetiva e não direta, porque no fundo sei que mesmo quando acho que escrevo uma ideia original aquilo vem de outros que o disseram de outra forma antes de mim, com palavras ou com sons ou imagens. Então a parte daquilo que me interessa (influencia), que é contemporânea, é pequena, porque há tanta coisa boa do passado que muita gente não conhece. Mas pra citar alguns na música eu tenho ouvido e gostado de Angel Olsen, Nego Leo, Cate Le Bon, Beak, Chris Cohen, Devendra... nessa hora sempre me dá um branco.
CP - Depois de “Cavalo" concebido, o que anda consumindo a cabeça de Rodrigo Amarante?
RA - O próximo.


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