Shakespeare é destaque no caderno de sábado do Correio do Povo
Suplemento faz homenagem aos quatro séculos no autor inglês
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Miguel de Cervantes, o genial autor de D. Quixote, morreu no mesmo dia, esse fatídico 23 de abril de 1616? Consta que faleceu na sexta-feira (22), tendo sua morte sido registrada no dia seguinte, quando foi enterrado. Que final de semana! Dois gigantes tombaram. Se fosse hoje, a mídia inundaria o mundo com seus necrológios. Cervantes e Shakespeare unidos pelo talento, pela glória e pela data de morte. Mistérios cercam a vida de Shakespeare. Já se conjecturou que ele não teria existido. Para quem nunca duvidou de que ele tenha sido ele mesmo e não outro ou outros, a sua glória só teria começado realmente no século XIX, numa espécie de redescoberta. Ele teria sido um ator mediano e um autor brilhante pela capacidade de reescrever temas tratados anteriormente. A noção de autoria era diferente. Aberta.
O espanhol tem praticamente um sobrenome, uma marca indelével: Miguel de Cervantes de D. Quixote de la Mancha. O inglês tem tantos sobrenomes quantas foram as suas peças e personagens. William de Shakespeare de “Hamlet”. William Shakespeare de “Romeu e Julieta”. Faltaria espaço para todos os seus nomes. Nesta edição do Caderno de Sábado, Kathrin Rosenfield, Léa Masina, Luciano Alabarse e José Francisco Botelho falarão de Shakespeare. Deixaremos Cervantes para outra semana. É muito gigante para um único número. A tentação simplificadora queima os dedos. Não dá para resistir. Seja! Quem foi maior: Shakespeare ou Cervantes?
Não vale responder: são diferentes. Os especialistas sempre fogem desse tipo de questão com uma resposta como essa aí, ‘‘são diferentes’’, mas, em casa, na solidão das leituras e das reflexões sem conveniências ou poses, respondem ‘‘Shakespeare, ora essa!’’ Ou, ‘‘na boa, Cervantes’’. Teriam eles imaginado que suas obras e vidas seriam lembradas, admiradas e reverenciadas quatrocentos anos depois do último aplauso diante dos seus corpos?
Cervantes teve vida de personagem de Shakespeare. Na batalha de Lepanto, foi ferido. Ficou com a mão esquerda atrofiada. Ganhou apelido shakespeariano, ‘‘o Manco de Lepanto’’. Shakespeare, que teria agravado sua doença com um porre mortal, deixando em testamento para a esposa a ‘‘segunda melhor cama’’, poderia ter feito parte de uma das oito comédias e entremezes novos nunca antes representados escritos por Cervantes? Por que não imaginar que Cervantes e Shakespeare eram a mesma pessoa, ou o mesmo espírito, vivendo duas vidas paralelas, representadas por atores em tempo integral, que só se encontrariam na coincidência da morte?