Uma imersão nos desenhos de Iberê Camargo

Uma imersão nos desenhos de Iberê Camargo

Exposição na Fundação Iberê, que abre hoje, apresenta obras inéditas do artista, com a curadoria de Vera Chaves Barcellos

Leticia Pasuch *

Vera Chaves Barcellos é a responsável pela curadoria da mostra "Iberê Camargo: Desenhos"

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Às vésperas de completar 15 anos da criação da Fundação Iberê, uma nova exposição traz a oportunidade de revisitar o processo criador artístico e pessoal do artista que leva o nome do instituto. Será inaugurada hoje no 4º andar da Fundação (Padre Cacique, 2000) “Iberê Camargo: Desenhos”. Algumas das obras foram raramente expostas, outras são inéditas. Vera Chaves Barcellos, a responsável pela curadoria da mostra, diz: “Foi difícil, mas foi prazeroso e muito instrutivo ter essa oportunidade de conhecer de perto todas essas facetas dos desenhos do Iberê”.

Além da admiração por Iberê Camargo, Vera conviveu com o pintor. O conheceu no início dos anos 1960, em uma de suas vindas a Porto Alegre. Esteve presente em debates e cursos de pintura que ele ministrou, além de visitá-lo no Rio de Janeiro. Das características pessoais do artista, ela destaca seu espírito combativo, polêmico e direto. “Ele era uma pessoa temperamental. Sempre que tinha que dizer alguma coisa, dizia”, observa a curadora.

Entre quase quatro mil obras, Vera examinou uma a uma, e escolheu 163. Com o próprio trabalho voltado para séries, ela acredita que seu olhar artístico contribuiu para que reunisse as obras de Iberê em formato de blocos. “Me dei conta de que é decorrente de meu trabalho, de muitos blocos, séries. É difícil eu ter um trabalho isolado. Acho que isso influenciou bastante também”, observa.

Revelações

Inicialmente, a artista pensou em selecionar também pinturas do acervo, por ser considerada a expressão máxima e cultuada de Iberê. Mas, com a sua análise, permaneceu na escolha exclusiva de desenhos para a exposição, devido às revelações que eles traziam do artista. O desenho, em comparação com a pintura e a gravura, é mais imediato e direto, sem a possibilidade de fazer significativas correções e elaborações. Para Vera é, portanto, a mais espontânea e, talvez, a mais reveladora das formas de expressão do artista. “Na pintura, ele tinha um processo extremamente oposto ao do desenho. No momento em que construía, destruía, ficava toda aquela tinta, e começava de novo, até que estivesse satisfatório. Muitas vezes, achava satisfatório mas, no outro dia, já destruía. Mas nos desenhos, não. No desenho, não há volta. Qualquer traço fica marcado, porque o suporte, não sendo em geral papel, não suporta retoque. Então, ele capta os momentos mais espontâneos, e não tão racionais, talvez”, explica.

Os desenhos abordam retratos – de Iberê e de sua esposa, Maria Camargo –, da figura humana (algumas voltadas ao erotismo), e paisagens. Das séries de obras, Vera destaca as que remetem aos emblemáticos carretéis e às fantasmagorias e estranhezas. Elas podem revelar o inconsciente, como fantasmas, temores e traumas. “Ali estão as facetas do Iberê que não eram tão desvendadas na pintura, mas que nos desenhos, estão”.

Diferentemente de outras exposições do pintor, a curada por Vera não partiu de um recorte de tempo ou uma temática específica, mas carrega produções de toda a vida artística de Iberê. Através da exposição, é possível percorrer a evolução dos traços, da técnica e do conteúdo das suas obras, além da projeção de sua personalidade. “Ele começou com estudos acadêmicos, e depois foi se libertando, embora haja os desenhos nos anos 40 que já têm uma liberdade de traço, que prenuncia o que viria ser esse artista gestual da maturidade”, conta. 

A curadora comenta sobre um momento que transformou Iberê, homem e artista. “O elemento infeliz que houve no Rio de Janeiro, quando Iberê mata um homem, mudou muito ele. Era um artista de renome”, introduz. Em dezembro de 1980, Iberê Camargo matou um homem com uma arma de fogo. Ficou preso durante algumas semanas, mas foi inocentado e solto após seu advogado alegar legítima defesa. “Curiosamente, era um pintor que estava beirando à abstração. Então, acho que esse foi um fato que trouxe ele de volta à figura humana, e que vai até o final da sua vida, já com aquelas figuras mais trágicas”, acrescenta.

A abertura da exposição prevê uma programação especial: além da entrada gratuita, haverá mediação com Vera às 15h30min. Às 16h30min, uma conversa com a curadora e o crítico de arte Paulo Gomes. A mediação será de Daniele Barbosa.

Em 6 de maio, a artista estreia uma exposição própria na Fundação. “O estranho desaparecimento de Vera Chaves Barcellos”, com curadoria do carioca Raphael Fonseca, traz um recorte de obras realizadas ao longo de 60 anos até trabalhos recentes da artista. Dividida em fases, a mostra abrange as experimentações de Vera com a pintura, o desenho e a xilogravura, destacando, também, seu diálogo com a fotografia.

*Supervisão de Luiz Gonzaga Lopes


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