Caso Neymar e o pacto da masculinidade: por que os homens são aplaudidos quando traem?

Caso Neymar e o pacto da masculinidade: por que os homens são aplaudidos quando traem?

Psicóloga explica que a cultura da infidelidade é uma "herança histórica"

Camila Souza

Neymar prestou depoimento como testemunha da Operação Huitaca

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O nome de Neymar segue virando assunto nas páginas de fofoca e nas redes sociais. E o motivo, mais uma vez, não é o futebol. Depois de trair a namorada Bruna Biancardi, que está grávida, e pedir desculpas publicamente, o jogador se envolveu em mais uma polêmica. Na noite de quarta-feira, a modelo internacional Celeste Bright expôs uma mensagem que Neymar teria enviado a ela no Instagram. No print, ele bate palmas para Celeste, que rebateu em seu story: "Se você tem uma namorada, não mande dm para garotas. É errado, é muito desrespeitoso com sua parceira." 

Depois, a modelo também disse que não conhecia o jogador de futebol, afirmando estar cansada de receber mensagens de homens com namoradas ou esposas: “Ele não é o único. Sinto que as mulheres precisam se manifestar mais, pois conheço a dor [de ser traída]. Homens, sejam melhores, porque nós merecemos mais." 

Na quinta-feira, um dia após a publicação de Celeste, a influenciadora Isis Mesquitta expôs uma reação de Neymar a um story que ela postou posando de biquíni em fevereiro deste ano. Na época, o atleta já tinha assumido o relacionamento com Bruna. Nesta sexta, ele debochou das recentes polêmicas: "Mais alguém?", brincou no Twitter. Isso mostra que Neymar parece estar em uma posição confortável para seguir repetindo os mesmos erros, já que foi perdoado por Bruna.

Esse conforto pode ser justificado, principalmente, pelo acolhimento que recebeu no pedido de desculpas pela traição. Nos comentários, a maioria deles feitos por homens, o jogador teve apoio e foi aplaudido pela coragem de admitir o erro. Mensagens como “O amor sempre vencerá” e “Quem nunca errou que atire a primeira pedra” foram deixadas no post.

Conforme a psicóloga Priscila Sanches, especialista em Gênero, Saúde Mental e Sexualidade, essa é uma representação clara de um pacto muito forte formado entre os homens: “Eles se defendem incondicionalmente. A história de que o amor venceu, de que ele foi corajoso por admitir, demonstra na prática como o pacto da masculinidade atua. Existe esse apoio mútuo entre homens independentemente do que o outro faça.”

Infidelidade: uma herança histórica

Não é preciso ir muito longe para ver a história se repetindo. Homens traem, são perdoados, acolhidos, aplaudidos, e seguem com as mesmas atitudes. E eles sabem que podem fazer. Historicamente, a infidelidade por parte dos homens sempre foi permitida. Priscila lembra que com o surgimento da propriedade privada, o formato de relação monogâmica foi institucionalizado porque os homens precisavam ter certeza de que seus herdeiros eram legítimos. Contudo, a fidelidade era cobrada apenas das mulheres, enquanto seus maridos podiam frequentar os chamados bordéis. “Essa é a nossa herança histórica. Até hoje os homens se sentem muito tranquilos para trair as suas parceiras e depois pedir desculpa. E muitas perdoam. O contrário dificilmente acontece”.

Outro aspecto que contribui para a manutenção dessa cultura de infidelidade é o ensinamento de que as esposas precisam lutar por suas famílias acima de tudo. A partir disso, os homens são perdoados e as amantes se tornam as culpadas. “É uma questão atravessada pela história e pela religião também. Tudo isso forma esse sistema patriarcal que ensina as mulheres a perdoar e a lutar pelo casamento, mas não ensina os homens a se responsabilizar”.

Para a psicóloga, a atitude que mais fortalece a autoestima das mulheres após uma traição é o rompimento do relacionamento: “Eu acredito que elas só vão conseguir se libertar dessas crenças e desses ensinamentos machistas no momento em que colocarem isso em prática.”

Priscila também lembra que dificilmente os homens mudam seus comportamentos e se mostram de fato arrependidos. O que acontece é um ciclo de repetição de traição e do pedido de desculpas. “A atitude que mais empodera as mulheres é não aceitar a traição. Assim, pode ser que os homens comecem a pensar duas vezes antes de ignorar o compromisso que têm com as suas companheiras”, enfatiza.


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