Mulheres gaúchas conquistam protagonismo em profissões “tipicamente masculinas”

Mulheres gaúchas conquistam protagonismo em profissões “tipicamente masculinas”

Bella Mais conversou com mulheres que atuam nas áreas de soldagem e engenharia civil e eletricista

Nicole dos Santos Silva

Lucineia Costa possui 13 anos de experiência na área de solda

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Apesar de ser considerado, muitas vezes, um tema saturado, a desigualdade de gênero no mercado de trabalho ainda é uma problemática a ser enfrentada. Os estudos sobre esse aspecto se revelam sobre todas as esferas da sociedade e, por isso, o debate é praticamente inesgotável. Isso porque ainda é preciso resgatar a figura da mulher como elemento fundamental na construção de uma sociedade igualitária.

Ao longo da história, profissões relacionadas a engenharia, elétrica, mecânica, Tecnologia da Informação, entre outras, estiveram sempre atreladas aos homens. Porém, estamos diante de uma geração que contesta os estereótipos e coloca, literalmente, suas mãos “a obra”. Para entender melhor sobre o mercado de trabalho atual, o Bella Mais conversou com três profissionais de áreas distintas, que estão protagonizando essa readequação do mercado de trabalho.

De acordo com um estudo do Instituto Brasileiro de Economia (FGV IBRE), a taxa de participação feminina registrada no quarto trimestre de 2022 (52,7%) ainda permanece abaixo do período pré-pandemia (54,3%). Em média, de cada dez mulheres em idade para trabalhar, apenas cinco participam do mercado. Já entre os homens, 7 a cada 10 homens estão trabalhando. A proporção menor de mulheres oferecendo sua mão de obra é uma questão social e também um problema econômico, pois pode representar perda de talentos em potencial na força de trabalho.

Essa baixa participação feminina pode ser classificada como uma consequência direta de fatores que se iniciam na educação primária, se estendem até a formação e, consequentemente, na entrada no mercado de trabalho e desenvolvimento de carreira. Por isso, é importante agir em diversas frentes e disseminar práticas para acelerar o avanço da equidade no mundo profissional.

Desde Edwiges Maria Becker, conhecida por ser a primeira mulher a conquistar um diploma de graduação na área da Engenharia Civil, formada pela Escola Polytechnica do antigo Distrito Federal – atualmente Escola Politécnica da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), lá em 1917, muito se fez, mais ainda existe muito trabalho pela frente.

De acordo com o Conselho Federal de Engenharia e Agronomia, a região Sul conta com 13.517 mulheres com registro ativo no Crea, para um universo de 52.700 homens (o total de profissionais com registro é de 66217). Já os dados nacionais apontam que o percentual de mulheres registradas como engenheiras no Brasil corresponde a 19,3% (199.786 mulheres engenheiras) do total de 1.035.103, de acordo com uma pesquisa realizada pelo Conselho Federal de Engenharia e Arquitetura (Confea).

Elas como protagonistas

Espalhadas por todo o Estado, mulheres habilidosas estão se aperfeiçoando ou prestando serviços que vão desde reparos simples à grandes reformas. Com foco principal em atender outras mulheres, elas estão fazendo história e encorajando outras pessoas a saberem que são capazes de fazer o que quiserem, abrindo caminhos para que mais mulheres despertem o interesse por essas profissões.

É o caso de Elisa Lemes, engenheira civil, profissional de segurança do trabalho e empresária na área de consultoria – especialmente em indústrias metalúrgicas e construção civil. Ela também é sócia proprietária na Lemes Engenharia, sediada em Passo Fundo, e reconhece que os principais desafios que enfrenta para seguir na carreira incluem a falta de oportunidades, reconhecimento e valorização.

Entre as situações constrangedoras que envolvem o dia a dia de mulheres no trabalho está o sexismo, etarismo, assédio, preconceito por conta da maternidade, entre outros. A diferença de remuneração também pode ser levada em consideração. “No nicho da segurança do trabalho as mulheres enfrentam a pressão de entregar um trabalho de qualidade superior em curto prazo e por um preço inferior, em comparação aos homens que muitas vezes recebem oportunidades antes mesmo de demonstrar seu conhecimento”, ressalta.

Questionadas também sobre as barreiras de gênero, a maioria das entrevistadas validam a resposta já esperada e dizem que essa questão já as limitou de experiências e oportunidades. “Quando comecei, há 16 anos, ouvia comentários desencorajadores", diz Elisa, destacando que já teve que ouvir que ‘assunto de engenharia não se fala com mulher’ e ‘mulher não entende de obra’.

Elisa dando treinamento em uma das empresas que atende | Foto: Elisa Lemes

A empresária também nota atualmente mais oportunidades para as mulheres nessas áreas, mas entende que ainda há muito trabalho a ser feito em termos de igualdade. “Iniciativas como cursos profissionalizantes voltados para mulheres e o incentivo desde casa são fundamentais para promover a inclusão e a diversidade”, finaliza a engenheira.

Contudo, existem problemas de gênero que as políticas de igualdade salarial e cotas não resolvem sozinhas. Para promover a criação de uma comunidade mais diversificada nesses campos é preciso investir também nas educadoras, pesquisadoras, gestoras e governantes. É preciso oferecer cursos profissionalizantes específicos, promover políticas de igualdade de oportunidades dentro das empresas e incentivar desde cedo o interesse das meninas pelas carreiras.

Qualificação em campos masculinos cresce

Segundo a Coursera, empresa de tecnologia educacional, houve aumento no número de mulheres ingressando nas áreas STEM (Ciências, Tecnologia, Engenharia e Matemática, na sigla em inglês). Os dados da plataforma digital revelam que cerca de 38% das usuárias estão matriculadas em pelo menos um dos diversos cursos oferecidos, representando uma crescente interessante em comparação a 2019, quando eram apenas 35%.

Dentro dessas iniciativas está, por exemplo, o Programa Mulher RS, do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia (CREA-RS), cujo objetivo é incentivar a igualdade de gênero, ampliando a participação feminina como protagonista em todas as esferas do Sistema e entidades de classe com o propósito de projetar e implantar políticas de ações afirmativas para mulheres. A ideia é fomentar a elaboração de políticas de valorização para mulheres engenheiras, agrônomas e da área das geociências dentro das diversas entidades de classe e dos Creas.

Em 2023, a Metasa, empresa de desenvolvimento de soluções de engenharia, fabricação e montagem em estruturas metálicas, lançou um curso de solda exclusivo para mulheres. A turma do curso era formada por seis mulheres determinadas a desenvolver novas habilidades. A parte teórica foi ministrada pelo instrutor Leocir Fernando Giollo, enquanto a parte prática ficou a cargo de Lucineia Capa Verde da Costa, que possui 13 anos de experiência na área.

Na época mãe solo, ela decidiu entrar no curso de Solda em busca de maior estabilidade financeira. Contou com o apoio financeiro dos pais até a conclusão, mas logo após a formação conseguiu entrar no mercado de trabalho, pois na cidade havia muito trabalho e pouca mão de obra, quem se formava já era contratado. “Comecei trabalhando na área naval, na construção de plataformas (navios que extraem petróleo do mar)”, relembra.

Para as alunas formadas na Metasa, ter uma instrutora mulher faz toda a diferença, trazendo sensibilidade, coordenação, capricho, delicadeza e maior atenção aos detalhes. “Apesar de ser uma área onde corremos alguns riscos, se fizermos nossa parte do jeito correto todos os dias, respeitando e cumprindo as normas, usando os equipamentos de proteção e fazendo check-list de nossos equipamentos elétricos, evitaremos ao máximo sofrer acidentes ou sinistros”, complementa.

Lucineia percebe que a inclusão de mais mulheres na indústria enriquece a diversidade no ambiente de trabalho e promove a igualdade de gênero, capacitando as profissionais a explorarem novas oportunidades e desafios. E apesar de ter enfrentado problemas, como ter sido descredibilizada enquanto soldadora quando iniciou na carreira, ela não permitiu a limitação de seus sonhos e buscou o diploma.

Já a Coordenadora de Operações de Campo da RGE, Camila Stumm, na contramão das demais declarações, acredita que teve sorte nos ambientes profissionais que passou. Ela não identifica ter sido vítima direta das consequências da problemática de gênero. Contudo, enfrentou outro aspecto que também afeta as profissionais do sexo feminino, que é a autocobrança: “O fato de ser mulher traz naturalmente a necessidade particular de acreditar que precisamos dar conta de tudo o tempo todo.”

*Sob supervisão de Camila Souza


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