A invisibilidade dos negros

A invisibilidade dos negros

Por Antônio Carlos Côrtes*

Antônio Carlos Côrtes

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Na formação do Estado do Rio Grande do Sul, mascaram a presença étnico-racial. O sul-rio-grandense é apresentado não negro. Bombacha, chapéu de aba larga, bigode vasto, lenço vermelho, branco ou carijó e botas. Os meios de comunicação daqui, infelizmente, fazem eco a estes ranços de preconceito, segregação e racismo. Por isto, vamos fotografar os fatos e transformar em palavras. “Palavra, uma pá que lavra.” Quem liga a televisão no Brasil pensa estar em Helsinque, capital da Finlândia. Em país de maioria negra como o nosso, eles quase inexistem nos meios de comunicação. Aqui no Sul não é diferente, pelo contrário, se eleva ao cubo. Quer frente aos microfones de rádio ou câmeras de televisão.

Lembro o recém-falecido jornalista Flávio Porcello. Não existe opinião pública e sim opinião do que se publica. Mesmo sendo minoria nos veículos de comunicação, acabam sendo os primeiros a ser demitidos e os últimos a ser admitidos. Não gosto de pessoalizar, mas vou contar duas histórias que fui protagonista e vítima ao mesmo tempo. Primeira: ainda jovem participei do concurso de locutores de poderosa emissora de rádio. Semana depois, recebi correspondência com chamamento. Ao comparecer, observei o embaraço da direção ao ver que a voz selecionada era negra. Mandaram-me aguardar nova chamada, que nunca ocorreu.

Segunda: pouco tempo depois, emissora de televisão selecionava apresentadores. Fiz o teste. Câmeras, iluminadores e outros do estúdio disseram-me, em particular, que fui o melhor. Nunca recebi retorno daquela emissora. Anos mais tarde, um suíte já aposentado me revelou que o diretor achou meu cabelo black power muito grande. Sequer cogitou de me consultar se eu concordaria em diminuí-lo. Na verdade, mascarou desculpa para não colocar negro no vídeo.

O psicanalista José Luiz Caon leciona: “Gente com máscaras que apenas se esconde em outras”. Respeito e aprendo sempre com os psicanalistas. Estes escutam, com ouvidos de saber ouvir. São seres humanos feitos como os outros, oriundos do mesmo povo. Por meio do discurso, ele escuta o seu sensor de presença, coloca no radar emoção subjacente, por isso mergulha na transversalidade do saber. Anos mais tarde, por meio do Carnaval, conseguimos chegar aos grandes veículos e até comandar. Mas, ainda hoje, os negros são invisíveis em rádio, jornal e televisão. A mídia reflete a sociedade nos preconceitos. Mas não os recusa como ouvintes, espectadores e consumidores. Ensinou Lampedusa: para que tudo permaneça como está é preciso que algo mude.

Advogado, radialista, escritor e psicanalista*


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