A sedução da era da espuma

A sedução da era da espuma

Por: Marcello Beltrand*

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Crises são corriqueiras e conhecidas. Uma rápida pesquisa e o internauta ficará atônito diante dos tropeço, às vezes, mortais, éticos, ambientais e financeiros. A crise da Lojas Americanas acrescenta poucas linhas nessa enciclopédia atroz. É difícil eleger exemplos desde os vistosos como o da Enron (2001), os testes de emissão da Volkswagen (2015), a concessão de empréstimos pelo Lehman Brothers (2008), o desastre ambiental em Brumadinho (2019) até a operação Carne Fraca na J&F (2017). O vazamento de dados privados pelas gigantes da tecnologia, que assustou milhões, se soma ao incompreensível fracasso nas operações de adição e subtração das mais vistosas auditorias do planeta. O investidor decifra o cenário e fica pasmo. Assim como a CVM, bancos, clientes, fornecedores e conselheiros corretos.

A busca na principal plataforma de venda de livros mostra que o assunto “governança” traz 10 mil volumes, “compliance” empresarial marca seis mil títulos, “ESG” (meio ambiente, sustentabilidade e governança) assinala duas mil publicações. Já “accountability” (responsabilidade, em inglês) e “sustentabilidade” trazem quatro e 10 mil resultados cada. Se a busca inclui propósito, missão e valores, milhares de outras publicações pululam. Ou seja, a tempestade de conhecimento e diretrizes não protege da enchente de malfeitos e irresponsabilidade, no privado e no público.

Mas, então, do que se trata? As hipóteses são várias: patologia social, gangsterismo, alma criminosa, punição leniente. O ser humano e suas criações, as organizações e o capitalismo não conseguem superar a doença infantil de auferir ganhos com menor gasto de energia e no menor tempo possível. Uma espécie de “catarata moral” amparada em palavras da moda – governança, sustentabilidade, ESG – embaça, em algumas empresas, os caminhos por onde se move esse tipo de executivo insaciável, que contraria a noção de racionalidade que move o homo economicus. Em muitos casos, produzindo uma espuma que distrai.

O cidadão e a patuleia estão desarmados diante desse “egoísmo mau”. Sim, há o bom. E, com certa ingenuidade, torcem pela destruição criativa de Joseph Schumpeter. A depuração ocorre contra tudo e todos. Superar a era da espuma é preciso. O filósofo Emanuel Kant ensinou que “tudo o que não puder contar como fez não o faça”. A transparência é um mito e, sim, somos imperfeitos e as organizações também o são. Mas não custa tentar ser melhor.

*Jornalista e consultor


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