Ciclone, expectativa e riscos

Ciclone, expectativa e riscos

Cenário deste final de semana é muito distinto do de três semanas atrás

Estael Sias

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Cadê o ciclone? Não era para ter um ciclone? Não será surpresa alguma se estas perguntas foram lidas ou ouvidas durante o sábado. Desde o começo da semana, as pessoas são “bombardeadas” com a palavra ciclone em mensagens e informações em redes sociais e na mídia. Décadas de experiência em fenômenos nos ensinaram muito sobre percepção e expectativa depois de um evento muito extremo, como foi o furacão Catarina em 2004 ou o ciclone de junho de 2023. Três semanas após desastre por um ciclone com chuva e vento intensos, e em se tratando de ciclone que remete imediatamente à ideia de vento muito forte, naturalmente muitos gaúchos vão indagar, afinal na grande maioria das cidades gaúchas não haverá vento forte entre hoje e amanhã. E a memória de um evento recente muito extremo eleva demais a percepção e expectativa que haverá uma repetição, o que não ocorrerá.

Como a MetSul tem informado reiteradamente desde o começo da semana, o cenário deste final de semana é muito distinto do de três semanas atrás, quando um ciclone que migrou do Sudeste do Brasil para a costa gaúcha se intensificou quase sobre a nossa orla e seguiu por horas atuando rente ao Litoral, gerando chuva extrema e ventos acima de 100 km/h. Desta vez, o centro de baixa pressão segue o seu caminho normal de Oeste para Leste e vai dar origem a um ciclone mais distante da costa gaúcha e de menor intensidade que no último mês. Em junho, chuva e vento eram grandes riscos, mas desta vez o perigo maior se concentra na chuva que vai cair com volumes altos em parte do Estado.

Quando o ciclone estiver se intensificando, e formando um campo de vento mais intenso em torno do seu centro, durante o fim de semana, ele já vai estar se distanciando do continente. Em junho, ao contrário, este processo se deu enquanto o sistema se aproximava da costa, em trajetória incomum e inversa à de agora. A baixa pressão que dará origem ao ciclone, entretanto, vai estar sobre o Rio Grande do Sul entre hoje e amanhã, gerando chuva forte e potencial para temporais isolados que podem causar vento forte em alguns pontos.

O vento vai se intensificar em torno do centro de baixa pressão sobre o mar na costa gaúcha no sábado. A periferia do campo de vento forte do ciclone vai alcançar setores do Nordeste gaúcho, mas com velocidades menores do que as observadas em junho. Em Porto Alegre, o vento médio deve ficar entre 50 km/h e 70 km/h. No Litoral Norte, entre 60 km/h e 80 km/h. Obviamente, em alguns pontos, por construções ou topografia que geram efeitos muito locais, rajadas mais fortes podem ocorrer.

Mesmo que o vento não seja muito intenso ou sopre com rajadas fortes por muitas horas seguidas, como ocorre normalmente em ciclones profundos, podem ocorrer transtornos em razão de vento. Isso porque vai chover muito entre sexta e sábado, saturando o solo de umidade e fazendo ele instável, o que favorece quedas de árvores e por consequência problemas para a rede elétrica.

Ah, mas se não vai ventar tão intensamente, porque eu deveria me preocupar? Porque chuva, e não vento, é a maior causa de acidentes e mortes quando há ciclones. Basta verificar o que ocorreu no último mês. Levantamento do jornal Correio do Povo mostra que das 16 vítimas fatais do ciclone de junho, quase todas perderam a vida direta ou indiretamente por efeito da chuva, seja por afogamento, deslizamentos de terra, choques elétricos e veículos arrastados por correnteza. E vai chover muito em algumas áreas do Centro para o Leste e o Nordeste do RS entre esta sexta e o sábado, embora sem acumulados extremos em curto período como em junho. Os volumes em diversas cidades devem ficar entre 50 mm e 100 mm com acumulados de 100 mm a 150 mm. Ou seja, apenas entre esta sexta e o sábado alguns municípios devem ter quase ou senão a média histórica de chuva de julho inteiro.

O problema é que a chuva não vai se limitar a este período entre sexta e sábado. Em junho, após o ciclone que despejou 200 mm a 300 mm em alguns municípios, uma massa de ar frio garantiu muitos dias de sol e secos depois do desastre. Isso não vai acontecer agora! A trégua da chuva será brevíssima desta vez e as precipitações mais intensas e volumosas vão ocorrer na semana que vem, entre segunda e quinta-feira, quando ocorrerão períodos de chuva forte e torrencial com o agravante que as condições serão propícias para temporais com raios, granizo e vendavais isolados, o que não ocorreu no episódio de junho.

Outra diferença que se observa para junho – e não climática - é de mobilização do Poder Público. Em junho, a postura foi reativa e agora preventiva. Vale a máxima dos norte-americanos, mais que acostumados a fenômenos severos, de “prepare for the worst and hope for the best”, ou “prepare-se para o pior e torça pelo melhor”. Esta lógica, em risco climático, salva vidas. E faltou grosseiramente em junho, embora tudo que ocorreu de chuva e vento tivesse sido alertado previamente nos espaços de Meteorologia do Correio do Povo.


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