Cidadania ou identidade - o dilema

Cidadania ou identidade - o dilema

Por Marcello Vernet de Beltrand*

Marcello Vernet de Beltrand

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Há meio século universidades, empresas, instituições e governos foram convidados a reingressar no trem da história, dessa vez no vagão da globalização. Atualizando a era das navegações, os anos 80 veem livrarias, consultorias e faculdades anunciando o mundo novo, mercado plano, emergentes cadeias internacionais de produção, cultura global, emergência dos tigres asiáticos. Lembro quando ministrava a disciplina de Ambiente de Negócios na emergente ESPM em Porto Alegre, no final dos anos 90. A globalização era o mantra: na lousa, no power point e na televisão. Professores e alunos atropelados pelo mundo hiper conectado.

O terremoto iniciara lá pelos anos 50: o dólar substitui a onça de ouro; bancos multilaterais financiam a expansão do capitalismo; viagens internacionais em aviões de grande porte sem fins bélicos; mainframes, multipolaridade. E, no Ocidente, emerge um homem com hábitos culturais e de consumo indiferenciados – cinema, literatura, alimentação, vestuário. Um personagem incapaz de ser distinguido dos de qualquer outro país, exceto pela língua.

Corta para 2022. O mundo submerge em interrogações. Ameaça nuclear, pressão por alimentos; crise na oferta de energia a Europa; travamento dos fluxos logísticos na China; endividamento global fruto da pandemia; questões climáticas agudas e uma delicadíssima tensão entre valores ocidentais e islâmicos. E eclode o previsível localismo, agora com tons mais densos. Um aspecto em especial embaça a compreensão do homem contemporâneo. Algo que o cientista político Mark Lilla, professor na Universidade de Columbia, traduziu por expansão das pautas identitárias em detrimento do valor de solidariedade presente na noção de cidadania, motor e coração da República.

No cruzamento do localismo com o identitarismo, o cidadão se desnacionaliza ao mesmo tempo que vê a noção de identidade diluir suas referências. Ex-cidadãos, passamos a responder pela identidade - sexo, cor, gênero, idade. Num processo lento, contínuo e ainda não visto de desconexão global.

*Jornalista e consultor

 


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