Entreguismo indecoroso

Entreguismo indecoroso

Por Carlos Eduardo Vieira da Cunha*

Correio do Povo

publicidade

Há gerações que acumulam, constroem; outras vendem, entregam. São os chamados “herdeiros perdulários”. Isto na vida privada. No setor público, não é muito diferente. Em 1959, Leonel Brizola encampou a Bond & Share e criou a CEEE. Foram décadas de construção de uma empresa estratégica para o desenvolvimento do Estado. Verdade, a CEEE passa por uma crise. Quando assumi a presidência da empresa, em 1992, ela também estava em dificuldades. A tarifa de energia era de apenas 37 dólares o MW/h, valor que sequer cobria os custos de produção. Nunca pensamos, porém, em vendê-la. Pelo contrário, a CEEE foi fortalecida no governo Collares. Tanto que, em 1994, após sucessivos anos de prejuízo, apresentou lucro operacional. Provou-se, mais uma vez, que uma empresa pública pode – e deve - ser eficiente.

Ao contrário do que pregam os vendilhões, iniciativa privada não é sinônimo de eficiência. Os que acusam a CEEE de não pagar o ICMS deveriam se informar sobre a dívida ativa milionária da RGE, empresa de energia que também atua no Rio Grande do Sul e, portanto, enfrenta os mesmos desafios do setor e não apresenta resultados muito diferentes pelo fato de ser privada. Aliás, nestes anos todos de atuação de duas empresas privadas de distribuição de energia em território gaúcho (AES e RGE), os consumidores por elas atendidos que tipo de vantagem tiveram em relação aos clientes da CEEE? Pagaram menos? Foram mais bem atendidos?

A verdade é que se o governo Leite consumar sua intenção de vender a CEEE (pasmem: o preço mínimo da empresa foi fixado em R$ 50 mil!), nós, consumidores gaúchos, ficaremos submetidos a um monopólio (muito provavelmente sob o controle dos chineses), com terríveis consequências para o nosso bolso e a economia regional. Lamentável que esta grave questão não esteja sendo debatida, com a profundidade necessária, pela população gaúcha. Fui autor de uma emenda à Constituição Estadual que garantia a realização de plebiscito para a alienação de empresas públicas. Sim, porque deveria caber a nós, cidadãos, os verdadeiros donos da CEEE, decidir sobre o seu destino, de maneira democrática e soberana.

Entretanto, num retrocesso inaceitável (que está sendo contestado junto ao STF), retiraram da Constituição o direito do povo decidir sobre privatizações. No fundo, sabem que a população gaúcha, uma vez esclarecida, votaria majoritariamente contra a entrega indecorosa de um patrimônio público construído ao longo de décadas do dedicado trabalho de gerações de trabalhadores eletricitários.

*Procurador de Justiça e ex-presidente da CEEE


Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895