Mais e mais política

Mais e mais política

publicidade

Soraia Hanna
Jornalista e sócia-diretora da Critério 

Nesta semana me chamou a atenção um depoimento de um deputado alinhado à direita, naturalmente, apoiador de Jair Bolsonaro nas eleições presidenciais. No meio de sua campanha, foi educadamente convidado para não participar de carreatas ou de atos pró-Bolsonaro, pois os grupos organizados não queriam “políticos” participando das atividades. 

Essa informação inusitada me despertou o quanto a política é necessária: aquela que dialoga, que debate, que briga por causas, que persevera e que tem alma, com diferentes visões de mundo — mas que sempre tem regras, claras e bem jogadas. 

Tudo isso me fez pensar que o Brasil precisa de mais política. De mais envolvimento verdadeiro — e não apenas aplausos, de divergências que fiscalizam, se opõem, que fustigam e que exigem mais e mais. 

Não bastam boas intenções, pautas comuns e valores esparsos. A arte da política tem a lógica da angústia — da parte para o todo e não do todo para a parte. Cidadania se exerce sem donos da verdade com autoritarismos de lados. Não dá para entender o todo com filtros e manipulações. 

O que aconteceu no último domingo também é o retrato da ausência da política, permeada por um ideário de príncipe Míchkin, conhecido personagem de Dostoiévski. A negação à representação política também embreta a um raciocínio de soberba. Não é feio fazer e viver a política, ao contrário. O novo Congresso eleito precisa retomar sua credibilidade e sua importância no debate público, com altivez. 

O Brasil maior é feito de direita, de esquerda, de centro e de quem nem se preocupa com isso, mas que entende do seu jeito o valor da liberdade, do cumprimento da lei  e do trabalho duro. É preciso uma inflexão sobre as reais atribuições dos poderes, num equilíbrio de forças que quando pende muito para uma esfera, fragiliza outras duas. Acabar com o sistema não representará avanço — aprimorá-lo é o desafio da jornada democrática. 

Então, não se trata de falta de democracia. É, sim, de falta de respeito do que não se entende. Falta de rito, de cultura. Um retrato de décadas de uma educação capenga — fraca no fundamental e ideologizada no superior — e que em algum espectro social vulnerável se rompe. 

O desequilíbrio de tudo isso rendeu a crença em super heróis de plantão. O povo precisa mais do que isso para não reproduzimos o grotesco criminoso de uma catarse vândala que se vê de tempos em tempos. Que os fatos nos ensinem. E que as consequências não sirvam apenas para fortalecer agendas políticas temporárias.


Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895