‘Melhoramento de campo nativo’: será que estamos melhorando?

‘Melhoramento de campo nativo’: será que estamos melhorando?

Por: Gentil Félix Da Silva Neto

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Os campos nativos do pampa são tema que muito me atrai. Uma das práticas difundidas por técnicos de campo como solução para a pecuária em campo nativo é o “melhoramento” como sinônimo de adubação e introdução de espécies exóticas como o azevém. Todavia, a palavra “melhoramento” não é adequada por ser generalista e pouco representativa. Obviamente que eu entendo que a linguagem técnica é diferente da científica; no entanto elas devem ter um certo alinhamento. Mas por que a utilização do termo “melhoramento de campo nativo” é incorreta?

Primeiro, que é muita soberba humana achar que estamos melhorando algo na natureza. Segundo, que o “melhoramento de campo nativo” pela adubação e introdução de espécies atua em um tipo de serviço ecossistêmico, o de provisão, sendo que, além dos serviços de provisão, temos diversos outros incluídos em serviços de regulação, serviços culturais e serviços de suporte. O “melhoramento” de campo nativo pela adubação e introdução de espécies melhora apenas um tipo de serviço ecossistêmico. Então como podemos chamar de “melhoramento” algo que melhora apenas um serviço ecossistêmico? Não é adequado.

Também quero ressaltar que não sou contra essas práticas nem quero que toda a metade sul do RS volte a ser campo nativo. Precisamos de lavouras, pastagens cultivadas e outros usos da terra, assim como de áreas com introdução de espécies e adubação, mas também conservar os campos em seu estado mais próximo ao natural. Assim eu faço o alerta de que é possível ter esses arranjos trabalhando juntos, como áreas conservadas de campo e parcelas com pastagens cultivadas ou mesmo introdução de espécies na vegetação nativa. O que é perigoso é fazer essas alterações em toda a área de uma propriedade e é perigoso tanto do ponto de vista ecossistêmico quanto do econômico. Algumas experiências mostraram que, em anos de eventos meteorológicos extremos, como em secas prolongadas essas áreas “resistiram” menos, prejudicando a produção animal. Em um cenário de adubações frequentes, as espécies utilizadoras de recursos competem com as conservadoras de recursos e vão substituindo essas últimas. Isso inicialmente proporciona maior produção animal via aumento de carga animal, mas pode se tornar um problema na era das mudanças climáticas.

Finalmente, ainda como cientista, a nossa visão deve ser holística, incluindo um entendimento ecológico e agronômico para manejar esse recurso natural tão importante que são os campos nativos e que cumprem vários serviços ecossistêmicos. Nosso papel é projetar estratégias sustentáveis e eficientes para manejar esses ecossistemas pastoris visando melhorar não só um, mas múltiplos serviços ecossistêmicos que são fornecidos por esse ambiente heterogêneo. Grave é a substituição indiscriminada dos nossos campos do pampa por outros usos. Que tenhamos espaço para as lavouras, para as pastagens cultivadas, mas que também tenhamos espaço para nossos campos nativos conservados em seu estado mais próximo ao natural, aliado à sua vocação para a pecuária.

* Engenheiro agrônomo, mestre e doutorando em Zootecnia


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