O cancelamento como estratégia competitiva

O cancelamento como estratégia competitiva

Por Marcello Beltrand*

Marcello Beltrand

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Costuma-se dizer que na economia ativos são bens, móveis, imóveis e maquinários. E classifica-se assim tudo aquilo que é conversível em dinheiro. Em conversas com milhares de alunos de MBAs de Marketing nos últimos 20 anos, pude refletir que no mundo organizacional há pelo menos três valiosos ativos não contábeis: pessoas, marca e relações. São ativos irreprodutíveis: as pessoas, porque não se pode clonar, a marca, porque legalmente é protegida e as relações porque são singulares. Quase todo o resto pode ser copiado: tecnologia, logística, lay-out, equipamentos, softwares etc.

O episódio da identificação de trabalho análogo no setor vitivinícola ilumina a importância estratégica desses ativos. Se por um lado, eles abundam na Serra, de outro, dois deles – marca e relações – saem machucados. Porém, a dor atroz dessa comunidade contrasta com o farto estoque de credibilidade, fruto de longa caminhada que a região traz.
Já nas empresas que têm um DNA delituoso, essa dor praticamente não ocorre. Basta ver o que ocorreu com empresas bilionárias que sucumbiram diante do escândalo do Petrolão. Suas práticas delitivas deixaram um rastro de malfeitos por anos. E quando tudo veio à tona não havia ninguém para acudir.

No caso do ecossistema vitivinícola, a situação é oposta. Há uma história com raízes na imigração italiana, cujas famílias palmilharam e deram vida à região serrana semeando cada gleba de terra recebida. Com trabalho e sonho, os empreendedores, no início do século XX, fizeram brotar em meio a vales inóspitos uma economia que sustentou por décadas milhares de pessoas. Sem perguntar a ninguém e com raro sentido de jornada usaram as próprias mãos para ajudar o Brasil fazer uma nação.

Para além das uvas, do vinho e espumantes premiados, a região tem ajudado a tracionar o crescimento do país com protagonismo no metal-mecânico, moveleiro, varejo, distribuição de energia, cutelaria, cooperativas, turismo e gastronomia.

O americano Oliver E. Williamson, Nobel de Economia, ensinou ao mundo que a confiança diminui os custos de transação. Ao longo de décadas, essa foi a força motriz que forjou a visão coletiva de um ecossistema de prosperidade pessoal e comunitária. Sim, os fatos são graves e exigem resposta transformadora e sustentável dos empreendedores da vitivinicultura. Mas é impossível não sentir o sopro do cancelamento no ar.

*Consultor em relações institucionais


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