O desejável e o possível

O desejável e o possível

Por Cezar Miola*

Correio do Povo

publicidade

Antes de ser conhecido como grande escritor, Graciliano Ramos foi prefeito de Palmeira dos Índios, Alagoas. Seus diferenciados relatórios de gestão, no curto período em que administrou o município, nos mostram realidades que o passar dos anos não apagou. Em 1929, registrou o aumento da arrecadação, mesmo eliminando algumas taxas: "E não empreguei rigores excessivos. Fiz apenas isto: extingui favores largamente concedidos a pessoas que não precisavam deles".

Estamos nos dias que antecedem as eleições municipais. Vemos anúncios de mais obras, serviços, visando ao bem-estar geral; tudo, por certo, desejável e necessário. Pouco se fala, porém, sobre como financiar essas iniciativas: evidências, números precisos, fontes. E até se promete combinar tais benefícios com menos tributos locais. É improvável que alguém seja contrário à redução de impostos. Mas há que se ter muito cuidado. Sem entrar no mérito das decisões que vierem a ser adotadas por quem investido pela legitimidade democrática do voto, lembre-se: a Lei de Responsabilidade Fiscal prevê que a renúncia de receitas precisa vir acompanhada de medidas compensatórias.

E, nesse caso, de que forma vão ser enfrentadas as crescentes demandas por serviços, sobretudo na educação e na saúde, num cenário com previsível queda de outras fontes de arrecadação, impactadas pela Covid 19?

Assim, cabe olhar as duas colunas básicas do orçamento. Em relação às despesas, deve-se enfrentar o desperdício e a fraude, melhorar a qualidade do gasto e aperfeiçoar a gestão e a governança. E quanto à arrecadação, é antiga e legítima a reivindicação por uma distribuição mais justa do "bolo tributário nacional", mas muitos administradores locais não cobram os tributos da sua competência. É evidente que não se pode generalizar: cada realidade há de ser tratada pontualmente, e até se pode, p. ex., implementar desonerações pontuais, para o incentivo de um setor economicamente deprimido ou visando a beneficiar as populações mais vulneráveis.

Porém, considerando que, na administração pública, nada se pode fazer fora da lei, ao discutirem a respeito, prefeitos e vereadores devem tratar do tema baseados em critérios objetivos, com o devido planejamento e transparência. Enfim, aproveitando a inspiração de Graciliano, é preciso muita responsabilidade, busca da equidade tributária e supressão, sim, de descabidos favores fiscais. Ainda que óbvia, cabe lembrar a sábia afirmação: "Sem dinheiro, não há direitos".

*Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado (TCE-RS)


Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895