Porto Alegre faz 252 anos e a gente não aprendeu a cuidá-la

Porto Alegre faz 252 anos e a gente não aprendeu a cuidá-la

Sofia Cavedon

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Tem muita gente vivendo na rua, da rua e das sobras. As sobras nem sequer são separadas de maneira a reciclar e realimentar, nem reduzidas ou bem acondicionadas de maneira a não entupir e contaminar.

Tem muito carro, irritação, desrespeito e agressão na circulação por suas ruas. Todos têm pressa. A gente desaprendeu a esperar, a fazer o trajeto, o bem andar.

Faço questão de andar com um livro e com chimarrão para resistir e ter a sensação de bem existir. Mas é volume demais para quem vem do sul ao norte nos ônibus apinhados, que deviam circular com poesias e ensinar boas maneiras de conviver.

Pintam a pequena parte da orla que ainda acessamos desse imenso lago e rio Guaíba, de cimento e luz, ainda assim é para lá que a cidade vai porque é preciso buscar nos espaços abertos a sensação de vida e liberdade que o sol no rosto e o azul do céu que encontra a água nos dão. O desvario da construção sem a regra de respeito ao direito à paisagem, do outro, nos afasta da régua da felicidade.

A ousadia de fazer do parque chamado Harmonia lugar de cimento e cancelas impõe violência e covardia contra árvores e pássaros, contra a livre circulação, fruição e encontro e é prova da pequenez ética e estética, da inconsciência ambiental e irresponsabilidade climática, da submissão criminosa do interesse público aos negócios privados que governam a cidade.

Há resistências sim e isso me comove: livrarias de portas para a rua, saraus, feiras solidárias, teatro de rua, bibliotecas comunitárias e hortas urbanas, comitês populares e cozinhas coletivas contra a fome, há escolas, sempre as escolas, puxando a humanização, o pensamento, a arte, etc.

“É necessário preservar o avesso”, ensinava o pai da personagem censurada de Jeferson Tenório. “Preservar aquilo que ninguém vê. Porque, não demora muito, a cor da pele atravessa nosso corpo e determina nosso modo de estar no mundo”.

A Porto Alegre da democracia, da inversão de prioridades, do poder popular hoje está guardada no seu avesso, mas está lá. E aniversaria também.


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