Quando política é mais do que ideologia

Quando política é mais do que ideologia

Por Carlos Siegle*

Carlos Siegle

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Saudoso tempo em que se discutia a geração de emprego, lembram? Houve também um tempo em que a saúde nos importava. Talvez a política tivesse menos graça, mas tinha muito mais serventia. Depois, a corrupção virou a principal chaga do Brasil. Dados do Datafolha nos lembram disso: em 2016, às vésperas do impeachment da ex-presidente Dilma, 37% do país classificava os desvios públicos como a maior das mazelas sociais. 

Rápida e lamentavelmente, a política fechou os olhos para os problemas reais. Transformou-se num xadrez simbólico de imagem, reputação e gestão de crise. E seguiu sua metamorfose de razão e existência a partir do que era pauta e, principalmente, daquilo que rendia audiência. Mudamos ainda mais nossos interesses, agora absurdamente abstratos com a invasão das liberdades individuais. Puseram Deus, direito da fé de cada um, para dentro da urna. Ser gay ou hetero, ler a Bíblia ou ir ao baile, amar ou julgar, ser professor de esquerda ou ruralista de direita. 

O tempo, imperdoável como é, não para. E a política segue o curso incerto do seu futuro. Começamos, atonitamente, rediscutindo o valor da democracia, até outro dia convicção pacificada, chegando ao ponto de contrariar o poder das instituições e negar a legitimidade das apurações eleitorais.

O embate ideológico é saudável e necessário para a emancipação da maturidade social, mas o equilíbrio precisa ser soberano na medição do ânimo público. Nem ao ponto de implodir Brasília, submergindo a política ao vandalismo e ao crime, nem retroceder para como era antes – quando o desinteresse delegava o amanhã a uma miopia pública. 
O debate não será reduzido, mas precisamos amplificar o sentido transformador da política como entrega pública. Precisamos nos debruçar sobre os problemas que existem na vida de quem carece da intervenção do Estado brasileiro. As ideias movem os espectros e aglutinam as pessoas, mas são os atos práticos, ações políticas, que resolverão a miséria, a insuficiência do SUS e a educação que patina. A política que realiza não pode ser demitida pela política que problematiza.

*Sociólogo, ex-secretário municipal de Porto Alegre


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