Saneamento: uma volta ao passado?

Saneamento: uma volta ao passado?

Por: Yves Besse*

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Um dos mais conhecidos aforismos de Millôr Fernandes é o de que “o Brasil tem um enorme passado pela frente”. A frase, que vira e mexe volta a ser lembrada, cabe perfeitamente quando analisamos as propostas para o saneamento básico no país que são ventiladas pelo novo governo Lula. Pior: em recente manifesto, assinado por mais de 90 entidades da área do saneamento, aparece a defesa apaixonada de uma volta a um passado no qual os problemas do setor não foram, nem de longe, resolvidos.

A proposta, defendida no manifesto, é retornar ao modelo que vigorou nos últimos 50 anos e que foi a base dos governos petistas anteriores. Ele chegou a ser atualizado pelo marco de 2007, depois de mais de 20 anos de debates, mas ainda era insuficiente para cumprir o objetivo de universalizar os serviços. O novo marco, de 2020, prevê fazer em 13 anos o que não conseguimos em 50. É contra essa proposta que tais entidades, comprometidas com arranjos políticos e interesses corporativos, colocam-se publicamente contra.

O acesso ao saneamento é um direito humano, assim descrito pela ONU em março de 1997, na conferência de Mar del Plata, e oficializado em julho de 2010 na Resolução da Assembleia Geral. Contudo, é um direito humano-social, ambiental e econômico. Esse tripé só é observado pelos operadores privados, que contemplam essas três dimensões nos seus contratos. Enquanto isso, os operadores públicos apenas o praticam no discurso, porque não haviam sido cobrados por isso até o novo marco regulatório de 2020, que eles rechaçam.

Por trás de um discurso aparentemente bonito, que inclui frases de efeito como “a água é pública e não pode ser privatizada” e que ameaça os cidadãos com a falácia do aumento das tarifas, está a defesa de um modelo excludente, que priva os mais pobres do acesso ao saneamento enquanto cobra tarifas mais altas do que as praticadas pelos operadores privados. Um modelo comprovadamente ineficiente. Que o nosso futuro não seja repetir os erros do passado.

*Presidente da Cristalina Saneamento


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