Trabalho escravo contemporâneo

Trabalho escravo contemporâneo

Por Ronaldo Nogueira de Oliveira*

Ronaldo Nogueira de Oliveira

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O resgate de 180 trabalhadores em situação análoga à escravidão, que atuavam na colheita de uvas e abates de frangos em Bento Gonçalves na Serra Gaúcha, demonstra que a escravidão moderna ainda é uma realidade. Essas pessoas eram forçadas a trabalhar para quitar dívidas de compras contraídas em local indicado pelo próprio contratante, além de viverem em alojamento precário e sendo constantemente vítimas de violência. Diante destas circunstâncias, não conseguiam se desvincular da situação degradante a que eram submetidos.

Escravidão moderna é uma realidade na atualidade. Pessoas são forçadas a exercer uma atividade sem receber os pagamentos ou recebendo valores insuficientes para suas necessidades, trabalhando contra sua vontade, sob a ameaça, detenção, violência ou mesmo morte. Mas não é apenas o trabalho sob vigilância ou ameaça que é considerado como situação de escravidão contemporânea. As situações degradantes a que os trabalhadores são submetidos também os torna escravos. Situações como alojamentos e alimentação impróprias e jornadas exaustivas, por exemplo, também podem configurar esse crime pelo aviltamento à dignidade da pessoa humana.

Em geral, os aliciadores se aproveitam da situação de pessoas simples que vivem em regiões empobrecidas, com pouco acesso à educação, saúde e ao crédito formal. Muitas dessas pessoas são forçadas a se deslocarem de suas regiões de origem em busca de oportunidades. A prisão do escravocrata e reparo financeiro são uma medida contra aqueles que cometeram o crime, contudo, às vezes, não são o suficiente para cicatrizar o dano causado contra a vítima.

Em 2017, na ocasião em que estive frente ao Ministério do Trabalho, tomamos algumas medidas com vistas ao aperfeiçoamento das ações de combate ao trabalho escravo no Brasil, a saber:

− Fortalecimento da Inspeção do Trabalho, com mais autonomia para o auditor-fiscal e um canal digital para denúncias dos casos de situações precárias nas relações de trabalho, bem como para indícios de trabalho análogo ao de escravo;
− Publicação da lista das empresas com processo administrativo concluso por práticas análogas à escravidão;
− Publicação da portaria 1.293, de 28 de dezembro de 2017, que aprimorou as anteriores identificando com mais clareza conceitos a serem observados pelo auditor-fiscal do trabalho em qualquer ação fiscal direcionada para erradicação do trabalho em condição análoga à de escravo ou em ações fiscais em que for identificada condição análoga à de escravo.

Existem mais de 300 tratados internacionais visando ao fim do trabalho escravo e comércio de pessoas e mais de 12 convenções mundiais de combate à escravidão contemporânea. Entretanto, o problema persiste diante das condições de miséria em que vive grande parte da população mundial.

Os governos, por sua vez, precisam tomar medidas que, além da criminalização e punição, levem à erradicação dessa prática hedionda. Fazem-se necessárias também medidas de educação para aqueles que exercem o papel de contratante, despertando nesses a consciência de que o contratado deve ser tratado com dignidade, fazendo faz jus a um ambiente digno e ao pagamento de seu trabalho. Deve-se disponibilizar às empresas de linhas de crédito especial para infraestrutura e equipamentos com vistas a melhorar o ambiente e as condições de trabalho.

*Ex-ministro do Trabalho


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