Ufanismo normativo

Ufanismo normativo

Por Cesar Augusto Cavazzola Junior*

Correio do Povo

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Numa conversa informal, daquelas dezenas de grupos de WhatsApp que acabamos fazendo parte, divulgou-se postagem de um deputado federal gaúcho, na qual estava contido o número de projetos de leis propostos ao longo de dois anos de mandato. Muitos cumprimentos e mensagens de apoio depois, lancei a pergunta que não quer calar: qual dos projetos apresentados eram os mais importantes? E, afinal, do que se tratavam?

Projetos de lei, ou mesmo a lei em si, nada significam senão papel preenchido quando não são cumpridas. Sabe-se, ou melhor, estima-se que cerca de 400 leis são publicadas diariamente no Brasil (os números variam). É possível para o cidadão comum, aquele que não trabalha ou não acompanha o assunto, manter-se ciente do número de leis que cumpre ou que deixa de cumprir? É claro que não!

O que é curioso, e falo aqui para os leigos, o Brasil possui uma lei de 1942, que estabelece, no seu artigo 3º, que ninguém poderá se escusar de cumprir a lei, seja ela qual for, alegando que não a conhece. A Índia, um país no qual está enraizado o sistema de castas na sua cultura, tentou, a partir de uma lei, abolir o que alguns consideram um ambiente injusto e enrijecido de sociedade. A lei aprovada foi capaz de gerar algum resultado sobre um sistema cultural milenar? Evidentemente que não. O costume possui, na prática, maior eficácia do que qualquer projeto instituído goela abaixo por algum parlamentar desavisado.

De qualquer sorte, ainda é cultural aqui no Brasil avaliar um político pelo número de projetos de leis submetidos ou leis aprovadas. Predomina-se o quantitativo sobre o qualitativo. O brasileiro ainda cai nessa ladainha sem sentido, é ainda ludibriado pelo mesmo sistema político que não se cansa de criticar. Não seria o caso de, como eu mesmo havia proposto na conversa de WhatsApp, dar uma conferida nas propostas, avaliar a relevância das proposições, antes mesmo de partir em defesa do deputado ou de qualquer outro “político de estimação”?

A adoração nacional por leis e demais projetos normativos é tão irracional quanto o amor pelo futebol: parece tão enraizado na nossa cultura quanto é o sistema de castas sobre os indianos. O futebol, no entanto, mais diverte do que nos causa irritação. É certo que é papel do Poder Legislativo propor leis, mas não é só isso: precisamos mais de trabalho fiscalizador do que de legislador. De leis, estamos atulhados, ainda descobrindo fraseologia jurídica aprovada ainda nos tempos do Império. Se ainda alguém insistir na defesa de um político a partir dos seus projetos, ao menos que se dê ao trabalho de lê-los.

*Advogado


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