A bandeira

A bandeira

Esta bandeira verde, vermelha e amarela que tremula no nosso peito é de todos os gaúchos, diversa e simbólica

Paulo Mendes

publicidade

Verde

Seu Adolfo: Sou produtor rural na Fronteira, conservador, como sempre foi minha família portuguesa, desde meu tataravô, o velho Gumersindo, que era dono disso tudo por aí. Ele criava gado, como hoje ainda crio, mas agora bem menos, a terra se dividiu, muitos herdeiros não tiveram tutano para seguir na lida, venderam, arrendaram, mas sigo aqui. Mudei pouco, mas até acho que mudei muito. Sou gaúcho tradicional, uso bota e bombacha, tenho minha casa na cidade, vivo bem, meus filhos estão todos formados, tenho orgulho do que sou. Muitos me chamam de reacionário, disso e daquilo, pouco me importo, mas aqui nas minhas terras nós preservamos as matarias, os banhados e as várzeas. Dias atrás ainda vi uma ema, um cervo e, no arvoredo, a passarada cantando. Sou campeiro e gaúcho. 

Vermelho

Xiru Ernesto: Vivi muito tempo seguindo os sem-terra, na luta, uma cruz com a bandeira tremulando na frente, como um baluarte. Sou indiático. De alguns anos para cá, consegui um punhado de terra para plantar. Trouxe mulher e a filharada toda. Arregaçamos as mangas, plantamos de tudo, feijão, milho, fizemos pomar, hortas, açudes, criamos peixes e participamos todos os sábados das feiras na Vila Rica. É lindo ver as senhoras comprarem nossos produtos, elogiarem a qualidade. Nossa imagem melhorou muito nos últimos tempos, acho importante isso. Hoje somos pequenos agricultores. Sou gaúcho, meus pais gostavam muito de matear em frente à casinha simples lá no Alto Uruguai até as águas da barragem inundarem tudo. Sou campesino, assentado e gaúcho.

Amarelo

Guri Antonio: Estou terminando o Ensino Médio, sou negro, moro numa comunidade e vou fazer a faculdade. Sou de Porto Alegre, curto muito a Semana Farroupilha ali no Harmonia. Meu pai era roqueiro, mas os pais dele vieram do Interior buscando uma vida melhor, o que chamavam de êxodo rural. Escutei muita música de festival nativista, acho legal, coisa de identidade. Ah, adoro tomar uns chimas com a galera na Redenção, mas churrasco mesmo larguei, ando agora numa onda de comida natural, sabe, menos gordura. Mas, às vezes, encaro uma costela, uma picanha, com comedimento. Nada contra ninguém, cada um na sua, embora não goste de gaitaço, sou mais Nei Lisboa, Nelson Coelho de Castro, Bebeto Alves, esses caras da velha MPG. Sou urbano e gaúcho.

O autor

Esta bandeira verde, vermelha e amarela que tremula no nosso peito é de todos os gaúchos, diversa e simbólica. Nossos corações batem mais forte em setembro, que antes de ser um mês é uma metáfora. Por isso, meu texto não tem sem cor, raça, idade, profissão, classe social, é regionalista e universal. Transpassa campos e cidades. Queria que esta mensagem cruzasse os aramados, os muros, os preconceitos e as ideologias. Um canto humilde sem ser subserviente, simples sem ser simplório. Uma literatura digna. Para representar a todos e todas, homens e mulheres, os outros gêneros, jovens e velhos, ricos, pobres e remediados. Todos os dias, todas as noites, todas as manhãs. Em todos os fins de tarde e em cada alvorecer. Que pudéssemos conviver juntos, mesmo com nossas diferenças, com respeito, debaixo da sombra e do abrigo da antiga e bendita bandeira do Rio Grande. Sou jornalista e gaúcho. 


Mais Lidas





Correio do Povo
DESDE 1º DE OUTUBRO 1895