Assovios de setembro
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Nós, os sulinos, esperamos pacientemente o frio passar para assoviar em setembro. É quando os lugarejos são sacudidos ruidosamente pelo tropel da cavalhada que deixa um odor de esterco misturado com as loções pós-barba de seus cavaleiros. A vida só volta ao normal depois do dia 20, pois até lá é muita carne gorda nos braseiros, é a cuia morena que vai passando de mão em mão, é a cordeona retrechando na vaneira, é o granito de peito, a ripa e a picanha na grelha, os abraços quebra-costelas e os amores inventados dentro dos ranchos nessas madrugadas que não têm fim. Setembro chega e se vai num upa, como um campeiro vestido a capricho num domingo de luxo e namoro. Por essa época nossas irmãs se mudam de casa para sempre, fêmeas costeando cercas, desesperadas para acasalar. A gurizada troca de gogó, coloca facas na cintura e aprende a amar. Lá na Vila Rica, eu me apaixonei pela Belinha num setembro desses, cheio de alvoroço. Ela estava linda com seus longos cabelos cor de trigo maduro, os olhos azuis que pareciam um açude banhado pelo sol do entardecer. Tinha se preparado para o desfile de 7 de Setembro, uma rainha juvenil, uma ninfa aldeã que aprende a cantar pelos internos da alma. Ela nunca me olhou, e isso até foi bom, porque assim eu me deixei encantar sem medo por aqueles olhos de bolita anilada, aqueles gestos delgados e instintivos de bailarina sem par.
Hoje procuro o que sobrou de setembro pelos meus desvãos neste lento envelhecer, mas ninguém usa mais loção Coty ou talco Cashmere Bouquet. Faço um mate pura folha e fico a recordar tempos distantes, enluarados de primavera, que chegam agora como um assovio alado, tão tênue que quase me escapa. Então assovio baixinho também, outra vez, o hino do pago, antes que esta boca resseque e meus beiços virem cinzas...