Cartas para Belinha

Cartas para Belinha

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Sentado nesta cadeira de balanço, pertencido de abandono, penso borboletas, admiro pássaros que se banham na fonte do pátio e aspiro aromas setembrinos. De fato, é um mês de ventos mornos e impertinentes, chuvaradas, de roncos de cordeonas e de aviões fazendo peripécias no ar, de festejos, de bandeiras hasteadas e reverências a heróis. Então lembro da casa em que nasci, entro em mim aos socavões, assim meio de borco, nas antigas primaveras da Vila Rica, época que pouco sabíamos o que acontecia de verdade. Fazíamos o que mandavam. Exigiam que lustrássemos os sapatos, que marchássemos sob o sol verde e amarelo de setembro, mitificando datas obscuras. Gostava dos desfiles porque ficava mais perto da Belinha, a bailarina aldeã que tinha asas nos pés, com seus lindos olhos azuis e cabelos esvoaçantes de trigais maduros.

Por essa época escrevi meus primeiros poemas, quase todos dedicados à ela. Foi então que um colega, também apaixonado pela Belinha, pediu-me para escrever uma carta poética com intuito de conquistá-la. Pensei em recusar, mas, ingenuamente vislumbrei a oportunidade de dizer tudo o que sentia. Então escrevi, caprichei, ficou linda. O colega, que era rico e mais bonito que eu, mandou pra ela, que ficou encantada. Deu certo. Depois, pediu para escrever outras. Foi então que começaram a namorar. A primeira vez que vi os dois juntos, chorei e debaixo dos cinamomos escrevi a ultima carta, ainda mais linda do que todas as outras. Logo depois deixei a cidade, mas soube, mais tarde, que haviam se casado.

Muito tempo depois, quando retornei à Vila Rica para lançar um livro, soube que a Belinha descobrira que era eu quem lhe escrevia. O meu amigo, seu marido, rindo e me abraçando, foi quem me contou. Ela disse-lhe que gostara muito de mim, mas, por eu ser tímido e, segundo ela, nunca a olhar, jamais tomara a iniciativa. Assim, ao receber as cartas, decidiu apostar naquele "poeta" e abandonar a paixão pelo guri acabrunhado e medroso . Apenas sorri e disse-lhe: "Tiveste sorte parceiro, com os amigos e com o amor".

O destino nos afastou. Talvez tenha sido melhor para todos. Vim para a capital cumprir minha sina. Mas sempre depois das invernias, quando o rosto sente o bafejo dessas aragens primaveris que gambeteiam como pandorgas no ar, carregando asas e flores, lembro da Belinha. Lacrimejo por causa dela, da minha infância e da Vila Rica, que eram verdes e floridas e, por serem floridas e verdes, eram tão amadas.

Tudo poderia ser diferente? Não sei, nunca ninguém saberá, nem mesmo esses ventos assobiadores de primavera...

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