Embretados

Embretados

Aprendi, após andejar por tantos países e culturas, que para se sentir bem é preciso estar em paz consigo mesmo.

Paulo Mendes

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É assim mesmo meu amigo e minha amiga, a vida vai nos conduzindo como uma tropa mansa, com cavalos ligeiros, peões experientes, a pata de pingos e a dente de cachorro e, quando menos esperamos, estamos embretados numa mangueira de tábuas grossas e resistentes, sem saída, para o bem e para mal. Aí, bem, aí não “hay petiço que ajude”, temos que seguir em frente, como gado que vai para o matadouro. Ou, com sorte, passar uma temporada em outra invernada, antes do destino final. “A la pucha, tia Picucha”, como dizia o velho Turíbio, entornando um trago de aguardente com bitter, escorado em nosso bolicho, ali ao lado da antiga Esquina Maboni, bem onde começa a estrada real do Cerrito, aquela que passa pelo Posto de Sementes, e mais a frente, existia a casa velha do armazém do seu Loro Salles. Até há pouco tempo o casarão amarelo ainda estava de pé. Será que ainda resiste? 

Quando guri lá na Vila Rica eu costumava ficar olhando para a estrada por onde passavam caminhões baiadeiros, ônibus, tratores, jipes e alguns poucos veículos modernos. Naquela época não existia essa imensidão de marcas e modelos. Vez por outra ainda cruzavam uns campeiros a cavalo, uma carroça, um carroção e raras carretas. Tanto o barulho dos motores como o apito do trem, que passava na linha, lá embaixo, me instigavam a bater pata, a conhecer novas paragens a ver ao vivo aquelas localidades que eu via nas notícias das antigas edições do Correio do Povo. Naquele tempo o mundo parecia algo tão vasto e o que mais queria, na verdade, era conhecer Tupanciretã. Por incrível que possa parecer, muitos clientes do bolicho nunca haviam saído nenhuma vez dali. Depois, apareceu seu Paulo Asdrubal, fotógrafo, um homem viajado, que foi me falando de tantos lugares que aguçou ainda mais a minha vontade de “dar de boca pra gateada”. 

Por que queria tanto conhecer outros lugares, por que a ânsia de viajar por outros caminhos? Pode ser que seja algo de personalidade, coisa que trazemos na alma, no íntimo, mas pode ser também porque não queria viver embretado como boi em mangueira, preso numa ideia, a um tipo de vida, a um só propósito, pois são tantas as possibilidades que temos de experimentar novos ares, novas realidades e isso me fascinava. Lentamente fui “garrando” coragem e comecei a andar com minhas próprias pernas. Para cidades próximas, visitando amigos e parentes, até que parei na Capital. Em cada lugar via uma coisa, observava os detalhes, as semelhanças, as diferenças, gostos e sotaques. E todos tinham um jeito peculiar que precisava ser valorizados e respeitados. 

Aprendi, após andejar por tantos países e culturas, que para se sentir bem é preciso estar em paz consigo mesmo. Se não, de nada adianta. Conheci gente viajada, gente que nunca saiu de onde se criou, e todos podem ser felizes à sua maneira. Descobri que o brete é verdadeiro ou inventado, com cercas que se instalam em nosso pensamento, coisas que nos impedem de sair, de ir e voltar, ou simplesmente saltar, soltar as amarras, cortar com os dentes o sovéu de couro e largar de tiro rumo ao desconhecido. Cada um sabe a hora de iniciar a sua jornada. Importa a liberdade de escolha, nunca se sentir preso pela taipa de um curral. Seja real ou imaginária. 


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